Nesta pesquisa produzida por Miguel Quessada e Daniel Kei Namise, a dupla de pesquisadores discute as mudanças nas estratégias na captação dos chamados votos de legenda. Antes da reforma eleitoral de 2015, os “puxadores de voto” eram comuns, porém após a reforma, a atratividade dos votos de legenda diminuiu devido à exigência de que os candidatos alcançassem pelo menos 10% do coeficiente eleitoral, resultando em uma queda nos votos de legenda para deputados federais. O que se observou é que a influência de figuras proeminentes e o número de doadores estão correlacionados com o desempenho em votos de legenda, com a polarização política no Brasil refletindo-se no apoio intensificado a partidos ideologicamente representativos.

No sistema eleitoral brasileiro, o eleitor pode optar pelo voto em branco ou nulo, mas esses votos não são contabilizados na contagem final. Os votos válidos, no entanto, podem ser nominais (direcionados a um candidato específico) ou de legenda (direcionados a um partido). Independentemente do tipo, ambos beneficiam o partido do candidato escolhido. Segundo Samuels (1997), os candidatos concentravam-se no voto de legenda quando percebiam uma vantagem clara nessa estratégia.

As observações de Samuels (1997) são do período em que a legislação eleitoral brasileira favorecia os chamados “puxadores de voto”, que levavam à eleição de candidatos com votações muito baixas. Um exemplo notável foi o caso de Vanderlei de Assis de Souza, eleito deputado federal em 2002 com apenas 275 votos, beneficiado pela votação expressiva de Enéas Carneiro (PRONA).

No entanto, após a reforma eleitoral de 2015, a atratividade do voto de legenda diminuiu para os partidos, pois os candidatos agora precisam alcançar pelo menos 10% do coeficiente eleitoral (NICOLAU, 2020; CERVI, 2023). Com isso, o interesse dos candidatos pelo voto de legenda tende a diminuir, prevendo-se uma redução contínua desse tipo de voto em cada eleição (CERVI, 2023). Uma análise da série histórica dos votos totais de legenda para deputados federais indica que a partir de 2010, há uma tendência de queda, com um declínio mais acentuado após as eleições de 2018, quando a reforma foi implementada

Por exemplo, no contexto do Brasil, caracterizado por seu personalismo político, o Partido dos Trabalhadores (PT) historicamente tem se destacado por obter a maior quantidade de votos de legenda para Deputado Federal, tanto em números absolutos quanto proporcionais. Mesmo assim, no período entre as eleições de 2002 e 2018, houve uma diminuição gradativa na proporção desses votos para o PT. Em contrapartida, em 2022, houve uma inversão dessa tendência, com o partido alcançando um crescimento nos votos de legenda, superando os patamares historicamente registrados. Paralelamente, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) experimentou um crescimento contínuo até 2014. Após este período, contudo, o partido sofreu uma queda drástica, vendo sua fatia dos votos totais de legenda diminuir de 24% para 7%.

É interessante notar que, ao longo dessas eleições, certos partidos apresentaram uma relativa estabilidade nas proporções de votos de legenda, embora tenham registrado picos significativos em eleições específicas. Este padrão é evidente no caso do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que teve um desempenho notável em 2006. O Partido Verde (PV) seguiu essa tendência em 2010, enquanto o Partido Socialista Brasileiro (PSB) se destacou em 2002 e novamente em 2014. O Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Social Liberal (PSL) alcançaram crescimentos em 2018. O caso do Partido Liberal (PL) é particularmente emblemático: entre 2010 e 2018, não houve registros de votos de legenda para o partido, mas em 2022, ele surpreendeu ao alcançar 17,24% dos votos totais de legenda.

Existem diversos fatores que podem ser considerados para compreender esses períodos de ascensão e declínio nos votos de legenda dos partidos. Com base numa análise preliminar, é possível argumentar que os partidos políticos tendem a receber um aumento significativo nos votos de legenda quando têm candidatos na disputa presidencial. O exemplo de Marina Silva nas eleições presidenciais de 2010 e 2014 ilustra bem o impacto que candidaturas individuais podem ter nos votos de legenda de um partido. Em 2010, filiada ao PV, e em 2014, ao PSB, Silva contribuiu significativamente para que ambos os partidos registrassem os maiores índices de votação de legenda de suas histórias, de modo que ambos obtiveram índices semelhantes nesses dois casos.

Esse fenômeno não é exclusivo de Silva. A filiação de Jair Bolsonaro ao PSL levou a um aumento exponencial nos votos de legenda para o partido, que saltou de uma média de 0,45% para um crescimento de 2000% após sua entrada. O mesmo padrão se repetiu com o Partido Liberal (PL) em 2022. É relevante observar que, após essas mudanças de filiação, tanto o PV quanto o PSL enfrentaram declínios acentuados nos votos de legenda.

É relevante destacar a interação entre a influência de figuras políticas proeminentes nas votações de legenda e os achados de Cervi (2019), que sugerem uma correlação direta entre o número de doadores de um partido e seu desempenho em termos de votos de legenda. A literatura especializada em doações eleitorais fornece uma perspectiva adicional, enfatizando a natureza do cálculo racional tanto dos doadores quanto dos partidos políticos. Do ponto de vista dos doadores, o objetivo principal é apoiar o partido ou candidato que melhor represente seus interesses. Por outro lado, os partidos políticos, na busca por maximizar seus ganhos eleitorais, tendem a escolher e promover candidatos que possuem maior capacidade de atrair votos (CERVI, 2016).

É viável também hipotetizar a existência de uma variável ideológica influenciando a captação de votos de legenda. A trajetória do PSDB, que sofreu um declínio acentuado em sua parcela de votos de legenda a partir de 2018, pode ser analisada sob essa ótica. Paralelamente, assistiu-se ao aumento dos votos de legenda em partidos ligados à nova direita, como o PSL e o Novo. Essa dinâmica ideológica pode também elucidar o crescimento dos votos de legenda do PT nas eleições de 2022. Conforme Fuks e Marques (2020) destacam, o Brasil vem passando por um processo de polarização política, refletindo-se em um apoio mais intenso do eleitorado a partidos e candidatos que acreditam representar adequadamente suas ideologias. As observações aqui feitas são de caráter exploratório e inicial, visto que a literatura se concentra mais na personalização dos candidatos (BORBA, 2015).


Referências:

BORBA, J. (2015). Cultura política, ideologia e comportamento eleitoral: alguns apontamentos teóricos sobre o caso brasileiro. Opinião Pública, 11(1), 147–168.

CERVI, Emerson U. Voto de Legenda. 2023. Notas de aula. Não paginado.

CERVI, Emerson. Manual de métodos quantitativos para iniciantes em Ciência Política – Vol. 2. Curitiba: CPOP, 2019.

CERVI, Emerson. (2016). Doadores, partidos e estratégias para o financiamento de campanhas eleitorais no Brasil: uma análise sobre o reduzido número de doadores e os elevados valores doados para os candidatos a presidente em 2014. Política & Sociedade. 15. 65. 10.5007/2175-7984.2016v15n32p65.

FUKS, Mário; MARQUES, Pedro. Afeto ou ideologia: medindo polarização política no Brasil?. In: 12º ENCONTRO DA ABCP, 2020, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB). Área Temática: Comportamento Político e Opinião Pública […]. [S.l.: s. n.], 2020

NICOLAU, Jairo. Para deputado, não vote na legenda do seu deputado preferido. Opinião. El Pais, 2018. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/19/opinion/1537359080_524622.html> Acesso em 12 nov. 23.

SAMUELS, David. Determinantes do Voto Partidário em Sistemas Eleitorais Centrados no Candidato: Evidências sobre o Brasil. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 1997, v. 40.