Desde 2013, o Brasil assistiu a uma ascensão da direita política, impulsionada pelo uso de redes sociais e pela organização de novos movimentos, destacando figuras como Kim Kataguiri e Eduardo Bolsonaro. Esta nova fase levanta indagações sobre a continuidade das práticas antigas em um novo ambiente digital. Este post feito pela pesquisadora Julia Frank de Moura examinou as estratégias online da direita, comparando-as com táticas de propaganda pré-digital e concluiu que, apesar da mudança para plataformas digitais, as abordagens permanecem consistentes, adaptando métodos antigos para a comunicação moderna, como a formação de comunidades imaginadas e a desmoralização de adversários, demonstrando que a direita atual é mais uma adaptação digital do que uma novidade.

A partir de 2013, o Brasil passou por uma guinada política à direita, que ganhou cada vez mais espaço por meio das redes sociais e da organização de manifestações e movimentos (também arranjados e coordenados com auxílio do ambiente online) (YAMAMOTO; DE MOURA, 2018). Ressurgiu uma direita, dessa vez mais diversa e plural, que tomava as ruas reivindicando diferentes pautas. Novos atores e novos nomes começaram a emergir a partir de então: O Movimento Brasil Livre; Kim Kataguiri, Fernando Holiday, Eduardo Bolsonaro, Arthur do Val, entre diversos outros. Com isso, novas questões também começaram a tomar pauta: seria essa uma nova direita? Teria ela alguma relação com a direita já existente anteriormente no país? Seu modus operandi era o mesmo, apenas adaptado ao ambiente online e as novas tecnologias?  Quais estratégias digitais permitiram que esses novos atores ganhassem espaço tão rapidamente no meio online?

A direita ressurge, não somente no Brasil, no momento que o meio online se tornou fonte de notícias, informação e maneira de percepção de mundo, e isso ficou ainda mais evidente politicamente (GERBAUDO, 2012; 2019). Para autores como Castells (2002), a revolução tecnológica atual, da qual o advento da internet faz parte, origina-se e difunde-se “não por acaso, em um período histórico da reestruturação global do capitalismo, para o qual foi uma ferramenta básica. Portanto, a nova sociedade emergente desse processo de transformação é capitalista e, também, informacional” (CASTELLS, 2002, p. 50). Com a popularização da internet, as estratégias de propaganda são aprimoradas e atualizadas. Nesse cenário, surgem pesquisas analisando a ação da direita nas redes sociais e as diferentes faces da direita brasileira, em trabalhos como, por exemplo, de Solano (2019), de Casimiro (2018), de Miguel (2018), de Cervi (2015; 2018; 2019), entre diversos outros. 

A hipótese da tese é: a direita brasileira, apesar de multifacetada e plural, segue determinados padrões e estratégias de propaganda para sua divulgação online, e essas estratégias são as mesmas já existentes na era pré-digital, apenas adaptadas ao ambiente online, sendo este mais um dos indicativos de que não temos uma nova direita, mas sim uma direita digital. São táticas de comunicação que atraem milhares de seguidores, e sua identificação e catalogação podem auxiliar, inclusive, na compreensão do pensamento político dos apoiadores e internautas que acompanham as redes sociais desses movimentos/partidos/grupos e na identificação dos conteúdos utilizados para captação desses seguidores, assim como na constatação dos assuntos mais abordados nas redes sociais de direita no Brasil e na forma como ideologias são transmitidas por meio de tweets.

A tese analisa as estratégias de comunicação da direita brasileira online, presentes em tweets realizados por 37 contas de direita durante dois anos. As estratégias digitais são, então, comparadas com estratégias de propaganda anteriores à era da internet, encontradas em propagandas antigas da direita, selecionadas por meio de pesquisa bibliográfica.

Algumas das estratégias encontradas, com a ajuda da classificação via livro de códigos, são: formação de comunidade imaginada; ofensas ao “inimigo” e desmoralização do “inimigo” (negação à alteridade); mobilização de ódio contra o “inimigo”; entre outras descritas no livro de códigos e identificadas por meio de pesquisa bibliográfica e estudo de obras sobre propaganda política (LASSWELL, 1927); (ANDERSON, 2009).

Abaixo há um exemplo de propaganda impressa do período anterior à web 2.0, realizada pelo Conselho Nacional de Propaganda (NETTO, 2019), na qual é perceptível o diálogo com o nacionalismo (NETTO, 2019), com destaque para o trecho “a ordem do Brasil é o Progresso. Marche Conosco”, onde também fica o convite para participar da comunidade imaginada.

Figura 1: Anúncio do Conselho Nacional de Propaganda de 1969.

Fonte: Revista Veja, abril, 1969, p.10, apud Netto, 2019, p.118.

Outro exemplo de propaganda veiculada antes da emergência da internet, que já utilizava as técnicas analisadas na tese é o anúncio publicado pela agência de propaganda Salles-Interamericana (NETTO, 2019), também em 1969: 

Figura 2: Anúncio da Salles-Interamricana de 1969.

Fonte: Jornal do Brasil, janeiro, 1969, apud Netto, 2019, p.122.

Nesse exemplo fica evidente a desmoralização daqueles que não acreditavam em um Brasil em crescimento, e a tentativa de conquista dos neutros com a presença de fatos que levavam a crer na evolução do país. 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Neoconservadorismo e liberalismo. In: SOLANO, Esther (org.). O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018, s.p (Kindle).

Anderson, Benedict.Comunidades Imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008

BROWN, Wendy. American Nightmare: Neoliberalism, Neoconservatism, and De-Democratization. Political Theory, Vol. 34, n. 6, dez. 2006, p. 690-714.

BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2013.

CASIMIRO, Flávio Henrique Calheiros. A nova direita no Brasil: aparelhos de ação político-ideológica e a atualização das estratégias de dominação burguesa (1980-2014), Expressão Popular: São Paulo, 2018.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Paz e Terra: São Paulo, 2002.

CERVI, Emerson Urizzi. Opinião Pública e Política no Brasil: o que o brasileiro pensa sobre política e porque isso interessa à democracia: IUPERJ — Rio de Janeiro, 2006. vii, 359 f. Tese (doutorado) – Ciência Política, 2006.

CERVI, Emerson Urizzi. Análise de conteúdo automatizada para conversações em redes sociais: uma proposta metodológica. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 42, 2018, Caxambu. Anais…Caxambu, 2018, s.p. 

CERVI, Emerson Urizzi. Análise de Conteúdo aplicada a Redes Sociais Online. In: CERVI, Emerson Urizzi. Manual de Métodos Quantitativos para iniciantes em Ciência Política. v. 2. Curitiba: CPOP, 2019.

CERVI, Emerson Urizzi. Para quem a internet é central no Brasil? Uma medida de centralidade da internet e dos usuários a partir da Pesquisa Brasileira de Mídia. Revista Debates, Porto Alegre, v. 9, n. 3, p. 63-96, set.-dez. 2015

DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo. São Paulo: Boitempo, 2016.

DE FREIXO, Adriano; PINHEIRO-MACHADO, Rosana. Brasil em transe: bolsonarismo, nova direita e desdemocratização. Oficina Raquel: Rio de Janeiro, 2019. 

FONSECA JR., Wilson Correa. Análise de conteúdo. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antônio. (org). Métodos e estratégias de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2005, p. 280-304.

FRASER, Nancy. Progressive neoliberalism versus reactionary populism: a Hobson’s choice. In: GEISELBERGER, Heinrich. The Great Regression. Cambridge: Polity Press, 2017, p. 281-284

GERBAUDO, Paolo. Tweets and the Streets: social media and contemporary activism. London: Archway Road, 2012.

______. The digital Party: political organization and online democracy.  London: Archway Road, 2019.

GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. Editora Paulus: São Paulo, 2014.

GONZÁLEZ, Rodrigo Stumpf; BAQUERO, Marcello; GROHMANN, Luis Gustavo

Mello. Nova direita ou vinho velho em odres novos? A trajetória conservadora no Brasil

do último século. Revista Debates, v. 15, n. 2, p. 9-44, 2021.

HJARVARD, Stig. (2012). Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança

social e cultural. MATRIZES, 5(2), 53-91. Disponível em:

https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p53-91

LASWELL, Harold D. Propaganda Technique in the World war.

MIGUEL, Luis Felipe. A reemergência da direita brasileira. In: GALLEGO, Esther Solano (org.). O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018, Kindle, posição 149 a 355.

Netto, D. A. C. (2019). As agências de propaganda, o golpe e a ditadura militar brasileira. Revista Eco-Pós, 22(2), 112-137.

NUNES, Rodrigo. Do transe à vertigem. Ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em

transição. Ubu Editora: São Paulo, 2022.

ROCHA, Camila. Menos Marx, Mais Mises. O liberalismo e a nova direita no Brasil.

Todavia: São Paulo, 2021.

PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo: Editora 34, 2013.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.

REINERT, M. Alceste, une méthodologie d’analyse des données textuelles et une application: Aurelia de Gerard de Nerval. Bulletin de Methodologie Sociologique, v. 26, p. 24-54, 1990.

SANTOS, Fabiano; TANSCHEIT, Talita. Quando velhos atores saem de cena: a ascensão da nova direita política no Brasil, Colombia Internacional [Online], 99 | 2019, posto online no dia 01 julho 2019, consultado o 06 março 2023. URL: http://journals.openedition.org/colombiaint/4899 

SARAMO, Samira. The meta-violence of Trumpism. European journal of American studies, vol. 12, n. 2, p. 1-17, fev. 2017. 

SINDERSKI, Rafaela Mazurechen; CERVI, Emerson Urizzi. Conversação política na fanpage do movimento brasil livre: uma análise das discussões sobre a redução da maioridade penal entre 2015 e 2018. Revista Teoria & Pesquisa, v. 28, n. 3, 2019, p. 75-96.

SINGER, André. A reativação da direita no Brasil. Opinião Pública, v. 27, p. 705-729, 2022.

SOLANO, Esther. Crise da Democracia e extremismos de direita. Revista Análise, 2018. Disponível em: http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/14508.pdf. Acesso em: 05 maio 2019.

______. A bolsonarização do Brasil. In: SOLANO, Esther et al. Democracia em risco?: 22 ensaios sobre o Brasil hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

VILALTA, Lucas Paolo. O neoliberalismo é uma governamentabilidade algorítmica. Lacuna, n. 9, 27 jul. 2020.

YAMAMOTO, Eduardo Yuji; DE MOURA, Júlia Frank. O Brasil a partir do Movimento Brasil Livre: imagens de uma comunidade imaginada. Comunicologia, v. 11, n.1, p. 153- 169, 2018. Disponível em: <https://portalrevistas.ucb.br/index.php/RCEUCB/ article/view/8325/5817>. Acesso em: 12 jan. 2019.