Apropriação da gramática midiática dos grupos terroristas.

Pedro Chapaval Pimentel.

(Post de 24/02/2017 migrado do antigo site do CPOP)

Em janeiro de 2015, a opinião pública mundial se voltou para as doze mortes em Paris resultantes do ataque empreendido pelo Estado Islâmico (EI, ISIS, ISIL, Daesh) ao jornal Charlie Hebdo. Este evento trouxe à tona novas dimensões sobre o fenômeno do terrorismo, que vinha sendo amplamente discutido e combatido desde os ataques realizados pela Al Qaeda no dia 11 de setembro de 2001.

A guerra ao terror, realizada por George W. Bush, marcou uma nova orientação na geopolítica mundial a partir dos anos 2000. O ataque orquestrado por Osama Bin Laden no onze de setembro ocorreu como um cavalo de Tróia do terror, exibido bem no coração dos Estados Unidos e potencializado pela dramaticidade, simbologia e sensacionalismo da mídia (PROCÓPIO, 2001). A maior potência mundial passava a lutar, então, contra um inimigo que não se limitava ao uso da força física como estratégia de combate, mas se manifestava por meio de aspectos psicológicos, potencializados pelo aprimoramento das tecnologias da informação e da comunicação (TICs).

Ainda que não decisivas, as TICs adquiriram uma presença articuladora e estratégica, desencadeada pelos processos de redução das distâncias geográficas e sociais (MARTÍN-BARBERO, 2006). A partir de sua evolução técnica, o discurso midiático passou a ser adotado de maneiras distintas por grupos terroristas, como é ocaso da Al-Qaeda e do Estado Islâmico.

Durante a guerra ao terror, a Al-Qaeda adotou meios de comunicação primários, utilizando homens-mensageiros e reduzindo ao máximo o uso de telefones via satélite, e-mails e websites. A rede de notícias Al Jazeera passou a ser utilizada como difusora de conteúdos e transmissora de ameaças para o mundo através da mídia ocidental, que passou a monitora-la em tempo real (CHALIAND; BLIN, 2007). A comunicação era feita em conta-gotas, com vídeos amadores dos dirigentes da Al-Qaeda e de execuções sumárias, como o caso do jornalista Daniel Pearl, em 2002.

A relação do Estado Islâmico com os meios de comunicação, por sua vez, visa atingir a maior audiência possível. Situações de combate são trabalhadas na forma de propaganda, e então difundidas pela imprensa e redes sociais digitais (RSD). Distante do amadorismo, o EI demarca um novo patamar midiático do terror cujas produções são profissionais e buscam exaltar características do grupo, utilizando contas no twitter, Youtube e Facebook para divulgar ameaças e para recrutar novos membros.

Nesta conjuntura, o centro de pesquisa Pew Research passou a indagar a partir de 2002 se, na opinião dos estadunidenses, a possibilidade de grupos terroristas realizarem outro grande ataque aos Estados Unidos era maior, igual ou menor do que em onze de setembro (MCGILL, 2016). Conforme apresenta a figura 1, o porcentual da população que respondeu que a probabilidade de um grande ataque terrorista era maior do que em 2001 mantém uma tendência crescente, chegando ao ápice de 89% em 2016.

Interessa notar que o número de ataques terroristas realizado na América do Norte representa apenas 2,1% do total mundial e há uma tendência decrescente de ataques na região desde 1970 (DATAGRAVER, 2016). Neste sentido, vale mencionar que, conforme apresenta a figura 2, a penetração da internet nos Estados Unidos é crescente desde os anos 2000, saltando de 58,8% da população em 2002, data das primeiras pesquisas realizadas pelo Pew Research Center, para 88,5% em 2016, ano de maior temor.

Ainda que não seja possível efetuar uma relação direta entre o medo de ataques terroristas, a penetração da internet e o uso de RSD, é necessário frisar que as TICs possibilitam uma comunicação reduzida em termos de custos e ampliada em termos de alcance. A assimilação estratégica do acesso à informação e das RSD proporcionou mudanças nas ações terroristas que passaram a ser arquitetadas e amplamente difundidas via internet.  Assim, a incorporação da gramática midiática aos ataques terroristas do EI faz com que o ambiente virtual, por meio da Web 3.0, também se torne um espaço de disputas e conflitos ideológicos e de poder.

Finalmente, Hoffman (2013) destaca que o uso da internet por grupos terroristas já supera a mídia tradicional devido ao seu baixo custo para a difusão de conteúdos produzidos profissionalmente, como vídeos, canais de rádio e televisão. Embora as consequências deste movimento sejam abrangentes, o autor destaque que elas ainda permanecem pouco compreendidas.

Referências

CHALIAND, Gérard; BLIN, Arnaud. The history of terrorism: from antiquity to al Qaeda. Berkley, Los Angeles, Londres: University of California Press, 2007

DATAGRAVER. Worldwide Terrorism 1970-2015. 26 jul. 2016. Disponível em: <http://www.datagraver.com/case/worldwide-terrorism-1970-2015>. Acesso em: 20 fev. 2017.

HOFFMAN, Bruce. Inside terrorism. Columbia University Press, 2013.

INTERNET LIVE STATS. United States Internet Users. 2016. Disponível em: <http://www.internetlivestats.com/internet-users/us/>. Acesso em: 20 fev. 2017.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: MORAES, Dênis de (org.). Sociedade miditatizada. Mauad, 2006.

MCGILL, Andrew. Americans Are More Worried About Terrorism Than They Were After 9/11. The Atlantic. 8 Set. 2016. Disponível em: <https://www.theatlantic.com/politics/archive/2016/09/american-terrorism-fears-september-11/499004/>. Acesso em: 20 fev. 2017

PROCOPIO, Argemiro. Terrorismo e relações internacionais. Rev. bras. polít. int.,  Brasília,  v. 44, n. 2, p. 62-81,  dez.  2001.

ROSER, Max; NAGDY, Mohamed. Terrorism. Our World in Data. 2016. Disponível em: <https://ourworldindata.org/terrorism/>. Acesso em: 20 fev. 2017.

TROTTIER, Daniel; FUCHS, Christian. Theorising Social Media, Politics and the State: An Introduction. In: TROTTIER, Daniel; FUCH, Christian. Social media, politics and the state: Protests, revolutions, riots, crime and policing in the age of Facebook, Twitter and YouTube. Nova Iorque: Routledge, 2014.