Uma categorização de 27 boatos como Complô, Salvador, Era de Ouro ou Unidade
A circulação de boatos durante a eleição presidencial brasileira de 2018 foi um fenômeno que, entre outras características, notabilizou-se pela incidência de mitos políticos diversos. Entendemos mito a partir de três perspectivas: antropológica, semiológica e política – sendo esta última a de nosso maior interesse.
Este comentário analisa, em 27 boatos verificados e desmentidos pelo Projeto Comprova durante a campanha eleitoral de 2018, a presença de mitos políticos de quatro categorias específicas de Girardet (1887): Complô, Salvador, Era de Ouro e Unidade. É empregada a metodologia de análise de conteúdo do tipo categorial temática (BARDIN, 1977), com abordagem qualiquantitativa.
Começamos apresentando as diferentes perspectivas de compreensão de mito. Em sentido antropológico, o mito é entendido como uma estrutura complexa e paradoxal de pensamento não racional destinada a representar, de modo simbólico, experiências coletivas do homem (CASSIRER, 1976). Volta-se a cumprir três funções essenciais: moral, fortalecendo tradições; sociológica, encobrindo incongruências históricas e justificando hierarquias sociais; e prática, preenchendo pragmaticamente lacunas emocionais relacionadas, principalmente, à incompreensão da realidade metafísica (MALINOWSKI, 1988).
Pelo prisma semiológico, o mito é visto como uma deformação de linguagem que se presta à apropriação ideológica (BARTHES, 2001). De modo mais exato, atua de modo a se estabelecer como um sistema semiológico segundo, apoiado em sistema linguístico já constituído, que o precede e que é, pois, deturpado (BARTHES, 2001).
Finalmente, em perspectiva política, o mito é inicialmente descrito por Sorel (1993), que o caracteriza como um instrumento de percepção da realidade de função mobilizadora, inclinado à luta política. Girardet (1987), por sua vez, descreve a mitologia política como uma manifestação de imaginário com caráter explicativo que promove um reordenamento psíquico assentado em emoções de modo a sugestionar um mundo compreensível e claro.
Girardet (1987) identifica quatro categorias principais de mitos políticos: (1) Complô, que se constitui de teorias conspiratórias; (2) Salvador, formado por narrativas de teor messiânico e heróico; (3) Era de Ouro, baseado em discursos de viés nostálgico e reacionário; e (4) Unidade, que reúne relatos centrados na ideia de união, pacificação e homogeneidade.
Para a análise de dados, criamos uma desenho metodológico em que cada categoria de mito correspondente a quatro subcategorias, sendo uma do tipo “código” (manifestação sígnica explícita, por meio de palavras) e três do tipo “significação” (descrição e/ou alusão a elementos característicos de cada narrativa mítica política específica), como mostra o quadro 1.
Quadro 1 – Categorias de análise