A pesquisa produzida por Daniel Kei Namise, Rafael Rocha e Raquel Mirian Pereira de Souza investiga o impacto das polêmicas na cobertura midiática das eleições brasileiras de 2022, focando no Jornal Nacional e no Jornal da Record. Analisando cerca de 130 edições dos telejornais de 16 de agosto a 2 de outubro, são utilizados métodos de análise quantitativa e temática para verificar se as controvérsias aumentam a exposição dos candidatos na mídia.
Polêmicas são frequentemente consideradas prejudiciais em uma sociedade democrática que valoriza o consenso, podendo comprometer a eficácia da democracia. No entanto, tais controvérsias são inerentes ao cotidiano e têm sido parte da dinâmica social por séculos, onde a polarização e a dissensão se tornam comuns, como discutido por Amossy (2017). Esta autora argumenta que as polêmicas são essenciais para o funcionamento das democracias modernas, ao facilitar o confronto entre visões opostas e fortalecer laços sociais entre indivíduos com valores similares, indicando que o dissenso, embora muitas vezes visto como negativo, é uma modalidade de interação essencial para democracia e que não pode ser ignorada.
No âmbito político, especialmente durante as campanhas eleitorais, a literatura especializada em marketing eleitoral sugere que os candidatos evitem se envolver em polêmicas ou desencadear controvérsias. Contudo, nota-se um aumento no número de candidatos que adotaram estratégias polemistas para alcançarem seus objetivos políticos nas últimas eleições, principalmente no que diz respeito em aumentar sua exposição midiática. Jair Bolsonaro é o principal exemplo no Brasil de um político que adotou uma estratégia polemista para promover sua própria imagem.
Desde 2015, Bolsonaro se envolveu progressivamente em uma série de controvérsias, expandindo sua influência para além dos nichos conservadores, construindo uma base eleitoral fiel e aumentando significativamente sua visibilidade na mídia, conforme destacam estudos de Alves dos Santos (2019), Ciocari e Pershichetti (2018), Nascimento et al. (2018), e Souza (2019). Durante a campanha presidencial de 2018, ele continuou sua abordagem polemista, com as polêmicas que gerou assumindo um papel central nas eleições, como exemplificado pelo controverso episódio do chamado “kit gay”, discutido por Trotti (2023), ao mesmo tempo que geraram uma maior exposição midiática para ele em comparação a seus adversários (Barbosa Diniz e Araújo Mendes, 2020).
E não é surpreendente que as polêmicas possam ter esse efeito, considerando os elementos envolvidos. Amossy (2017) ressalta que toda polêmica incorpora um elemento de espetacularização, o que naturalmente chama a atenção. Além disso, os processos de modernização do jornalismo, que começaram na década de 1980, levaram a uma diversificação das finalidades do jornalismo, mesclando informação com espetáculo (CALDAS, 2004). Esse contexto fomenta um ciclo de feedback entre os meios de comunicação, sejam eles massivos ou não, e os polemistas, em que ambas as partes — polemistas e jornalistas — amplificam a controvérsia, reagindo às ações do outro (Phillips).
Diante disso, buscou-se avaliar se as polêmicas eleitorais de 2024 contribuíram para o aumento da visibilidade dos candidatos. Para atingir o objetivo deste artigo, o corpus de análise inclui os conteúdos do Jornal Nacional (Rede Globo) e do Jornal da Record entre 16 de agosto, quando a propaganda política é permitida, e o final do segundo turno, em 2 de outubro. Foram analisadas cerca de 130 edições, disponíveis no site do Jornal Nacional e no canal do YouTube do Jornal da Record. A análise utilizou métodos quantitativos e de conteúdo temático, além de métodos estatísticos simples para construir tabelas e gráficos.
O primeiro passo da análise foi verificar a distribuição de tempo de cobertura dos principais candidatos nos telejornais durante os dois turnos das eleições (Tabela 1). No primeiro turno, Bolsonaro teve maior exposição em ambas as emissoras, e no segundo turno, essa tendência se manteve no Jornal Nacional (JN), enquanto no Jornal da Record (JR), Lula e Bolsonaro tiveram tempos semelhantes. As polêmicas tiveram um impacto significativo na visibilidade de ambos, corroborando estudos anteriores de Barbosa Diniz e Araújo Mendes (2020) e Porto, Neves e Lima (2020). No entanto, essas controvérsias não explicam completamente as diferenças na exposição dos candidatos, que também foram influenciadas pela condução da cobertura eleitoral e pelo paralelismo político das emissoras.
No JN, observou-se uma cobertura isonômica, com matérias de duração semelhante para cada candidato e sabatinas de 41 minutos no primeiro turno. Caso a agenda de campanha de um candidato fosse coberta diariamente, ele teria aproximadamente 76 minutos de exposição, como ocorreu com Simone Tebet (MDB). As variações entre ela e os outros candidatos se devem, principalmente, ao fato de que nem todos mantiveram agendas públicas diariamente, resultando em menor tempo de menção e aparição no JN. No JR, porém, essa isonomia não foi respeitada. Bolsonaro recebeu uma média de 1 minuto por matéria, enquanto Ciro Gomes, Lula e Simone Tebet tiveram tempos inferiores (Barbosa Diniz e Araújo Mendes, 2020). No segundo turno, a diferença foi ainda mais acentuada, com Bolsonaro recebendo mais tempo de exposição em comparação a Lula.
Essa disparidade na cobertura pode ser explicada pelo paralelismo político das emissoras, conforme Porto, Neves e Lima (2020). O JR ajusta seu conteúdo para um público conservador, favorecendo Bolsonaro, o que pode ter sido reforçado pela dependência econômica da emissora em relação ao governo federal, que lhe concedeu o maior montante em publicidade oficial (Dunaway, 2008). Em contraste, o JN, apesar do aumento dos gastos publicitários do governo, não mostrou favoritismo, refletindo uma postura mais crítica em relação ao governo e aos partidos de esquerda, como o PT (Mundim et al., 2022; Pimentel e Marques, 2021). Esses fatores indicam que a linha editorial e o contexto político desempenham um papel importante na cobertura, além da dependência econômica.
Sendo assim, é possível afirmar que as polêmicas podem, de fato, aumentar a exposição dos candidatos, mas é essencial observar como os veículos constroem as narrativas em torno desses episódios controversos. Como apontam Barbosa Diniz e Araújo Mendes (2020), a questão da visibilidade não se limita ao tempo de exposição, mas também à maneira como essa exposição é conduzida, já que uma cobertura predominantemente negativa ou positiva pode impactar diretamente a imagem de um candidato. Isso reforça a necessidade de mais investigações sobre como as polêmicas afetam tanto a exposição midiática quanto a imagem pública dos candidatos.
Referências:
AMOSSY, Ruth. Apologia da polêmica. São Paulo: Contexto, 2017.
BARBOSA DINIZ, R.; ARAÚJO MENDES, V. Uma análise de rede das mídias tradicionais e a cobertura das eleições de 2018. CSOnline – REVISTA ELETRÔNICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, n. 31, maio 2020.
CALDAS, Álvaro (Org). Deu no jornal. São Paulo: Loyola, 2004.
DUNAWAY, Johanna. Markets, ownership, and the quality of campaign news coverage. The Journal of Politics, v.70, n. 4, p. 1.193-1.202, 2008.
MUNDIM, P. S.; GRAMACHO, W.; TURGEON, M.; STABILE, M. Viés noticioso e exposição seletiva nos telejornais brasileiros durante a pandemia de COVID-19. Opinião Pública, v. 28, n. 3, p. 615-634, set. 2022.
PHILLIPS, W. (2015). This Is Why We Can’t Have Nice Things. Cambridge: MIT Press.
PORTO, Mauro Pereira; NEVES, Daniela Silva; LIMA, Bárbara. Crise hegemônica, ascensão da extrema direita e paralelismo político: Globo e Record nas eleições presidenciais de 2018. Revista Compolítica, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 5-33, 2020.
TROTTI, B. A.; LOWENKRON, L. Pânicos morais, sexualidade e infância: A fabricação do “kit gay” como artefato político na disputa presidencial de 2018 a partir da rede social Twitter. Sex, Salud Soc (Rio J), 2023; (39): e22315.
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