Uma discussão sobre o Minha Casa Minha Vida

Naiara Sandi de Almeida Alcantara

Diante da atual conjuntura nacional, a política habitacional Minha Casa Minha Vida (MCMV) parece estar com o fim anunciado em decorrência de modificações estruturantes da esfera política, corroborando com a literatura que demonstra que algumas políticas são de governo, por isso ao mudar o governo muda-se similarmente a política (ALMEIDA, 2016). Até o ano de 2016, o MCMV já havia entregado mais de 1 milhão Unidades Habitacionais (UH) para famílias de baixa renda (0-3 salários mínimos) e, ao proporcionar habitação a essas famílias, auxiliou para que elas saíssem de condições precárias de moradia, iguais àquelas que compõem o índice Déficit Habitacional, como será demonstrado através dos dados de Alcantara (2019). O que esse post pretende responder é se mesmo gerando resultados positivos, essa política tende a ter fim na atual gestão presidencial.

Alcantara (2019) analisou dados da Pesquisa de Satisfação dos beneficiários do programa MCMV, que foi realizada e financiada pelo Ministério das Cidades (MCIDADES), Secretaria Nacional de Habitação (SNH) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), composta por amostra de 7.252 Unidades Habitacionais (UH), representando todo o Brasil. Os resultados demonstraram que as famílias de fato deixam de estar em condições de precariedade semelhantes a que estavam antes. Pois em relação à primeira condição analisada, de coabitação familiar forçada, verificou-se, conforme consta no gráfico 1, apenas uma parcela muito pequena das famílias (4,4%) reside com um núcleo secundário/terciário, ou seja, a maioria das casas possui apenas uma família.

Gráfico 1 – Coabitação familiar por UH

Fonte: autora (2019), a partir dos dados da Pesquisa de Satisfação do MCMV (2014).

Em relação à segunda condição analisada, de gastos mensais excessivos, caracterizada pelo gasto familiar de 30% ou mais das receitas com o pagamento da prestação da casa ou do aluguel, demonstrou-se, conforme a tabela 1, que apenas uma parcela ínfima da amostra (1,3%) tem gastos excessivos.

Tabela 1 – Gastos familiares com aluguel/prestação mensalmente

Fonte: autora (2019), a partir dos dados da Pesquisa de Satisfação do MCMV (2014).

Apenas a última condição analisada que compõe o Déficit é que apresentou um resultado significativo, em relação ao adensamento excessivo, como pode ser verificado através do gráfico 2. O adensamento excessivo ocorre quando uma casa que possuí três ou mais moradores utilizando o mesmo cômodo como dormitório permanente, e sabe-se que as casas da faixa 1 do MCMV são construídas com apenas dois quartos, sendo assim, as casas com cinco ou mais moradores já estão em situação de adensamento. O gráfico 2 demonstra que cerca de 25% da amostra está nessa situação. Todavia, ainda é a menor parcela da população.

Gráfico 2 – Quantidade de moradores por UH

Fonte: autora (2019), a partir dos dados da Pesquisa de Satisfação do MCMV (2014).

Segundo notícia da revista Exame de maio deste ano, dentre outras mudanças significantes para as faixas do programa que atendem as famílias mais pobres (faixa 1 e 1,5), é de que as casas não serão mais “vendidas”. Pois até o momento as famílias podiam realizar a compra por um valor bastante abaixo daquele praticado pelo mercado privado. Agora, segundo o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, as famílias só poderão alugar as casas, ou seja, elas irão adquirir a posse, mas nunca serão proprietárias de um imóvel. O argumento utilizado para respaldar a mudança é de que as famílias mais pobres, após a aquisição da casa do MCMV, vendem suas casas. Isso, segundo as regras de obtenção do imóvel, é configurado como uma irregularidade. Afinal, as casas não podem ser adquiridas para fins comerciais.


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Autores que analisam a questão habitacional no Brasil, como Maricato (1987), demonstram que desde o surgimento das primeiras políticas voltadas a habitação em 1930, durante o governo nacional desenvolvimento de Vargas, algumas características perpetuaram-se, dentre elas as altas taxas de inadimplência dos aluguéis ou prestações das casas, que variavam entre os programas, mas mantendo sempre a existência de moradores que não possuíam renda suficiente para permanecer na moradia. Além disso, os programas com menores taxas de inadimplência eram também aqueles que não contemplavam as camadas sociais mais baixas. Em todos se constatou que a população em situação de maior vulnerabilidade social era similarmente a que recebia a menor quantidade de casas. Isto é, uma mudança nas regras de renda fará com o programa habitacional, se ainda existir, se assemelhe aos seus antecessores não beneficiando as famílias que de fato mais precisam de moradia.

Outro forte indício do fim da política MCMV é a afirmação de Canuto, publicado pela revista Exame em abril desse ano (2019), dizendo que só haveria recursos para a manutenção da política até junho desse ano. Então conclui-se que realmente existem prenúncios para o fim da política, pelo menos da maneira como ela estrutura-se atualmente. O que parece ser preocupante, porque apesar de a política ter seus problemas como demonstrado por diversos autores, como Fix (2011) e Amore (2015). Também houve resultados positivos, como o auxílio da superação da crise, pois aumentou o poder de consumo popular, gerou empregos e, primordialmente, possibilitou o acesso a habitação a camada social que historicamente mais necessitava.

Referências

ALCANTARA, N. S. de A. Casa nova e problemas antigos: análise do pós-implementação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) no período de 2009 a 2013. 2019. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)-Universidade Estadual de Maringá.

ALMEIDA, P. R. Sobre Políticas de governo e políticas de estado: distinções necessárias. Instituto Millenium, 07 de abril de 2016. Disponível em: <https://www.institutomillenium.org.br/artigos/sobre-politicas-de-governo-e-politicas-de-estado-distincoes-necessarias/>. Último acesso em: 06 de set de 2019.

AMORE, C. S. “Minha Casa Minha Vida” para iniciantes. In: RUFINO, Maria Beatriz Cruz; SHIMBO, Lucia Zanin; AMORE, Caio Santo, Minha Casa…E a Cidade?, Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. p.11-28. 

FIX, M. Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil. 2011. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2011.

MARICATO, E.. Política Habitacional no Regime Militar: Do milagre brasileiro à crise econômica. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.

Pesquisa de Satisfação dos Beneficiários do Programa Minha Casa Minha vida, disponível em:< http://www.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=24184>. Ultimo acesso em: 28 de agosto de 2019.