Uma análise de conteúdo e de sentimento da hashtag “EscolaLivre”

Rangel Ramos

A controvérsia sobre o projeto Escola sem Partido voltou ao debate público em 2019, depois que surgiram especulações em torno da escolha do ministro da Educação do Governo de Jair Bolsonaro. Os boatos e rumores colocaram o presidente recém-eleito em conflito com uma de suas principais bases de sustentação política, a bancada evangélica do Congresso.

O desentendimento começou depois que alguns jornais publicaram, no início de novembro de 2018, que o futuro ministro da Educação seria Mozart Neves Ramos, nome pouco alinhado ao discurso que levou Bolsonaro ao Planalto. Com a reação negativa e seus apoiadores, o presidente veio a público para classificar a indicação de Ramos como “fake news”. Como decisão final, escolheu Ricardo Vélez Rodríguez para ocupar o cargo, um defensor do projeto Escola sem Partido, que vê “doutrinação” no Enem e diz que a ditadura militar no Brasil é “um fato a ser comemorado”[1].

Surge, a partir do discurso fomentado pela Escola sem Partido, um questionamento incisivo da escola como um todo, criando-se uma certa descrença em tal instituição. Esse tema assume um status de controverso por levar o cidadão a questionar a credibilidade de instituições governamentais, gerando, de acordo com Bolívar (1996), desafios para a sustentação da democracia. Segundo Mansbridge (2009), o público precisa discutir, enquanto coletividade, temas controversos, objetivando possíveis soluções e mudanças. Uma controvérsia provoca debates, mobiliza a opinião pública e também pode criar ambientes propícios para o surgimento de fake news e argumentos falaciosos. Diante disso, este post analisa as controvérsias sobre a Escola sem Partido, presentes nas discussões que se desenrolaram sobre o tema no Twitter.

Para a formação do corpus foram coletados, durante o mês de novembro de 2018, os Trending Topics do site de rede social. A controvérsia sobre o Escola sem Partido pôde ser observada com mais clareza em 13 de novembro de 2018, quando a #EscolaLivre chegou ao terceiro lugar no ranking do Twitter, tornando-se uma espécie de campo de batalha entre detratores e apoiadores do projeto.

Por meio do software R foram coletados 2.331 tweets relacionados à #EscolaLivre, feitos entre as 16h e as 19h. Um novo recorte temporal selecionou 758 tweets publicados entre as 18h15 e as 18h30, que, depois de sorteados com uso do software Stata, tornaram-se a amostra analisada de 352 tweets. Essa amostra foi tratada individualmente, a fim de selecionar apenas o conteúdo do tweet, sem o @ de retweet e nem outras hashtags.


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Nessa amostra foram realizados dois tipos de análise. Primeiro, uma Análise de Conteúdo Automatizada, realizada com o software Iramuteq e baseada na proposta metodológica de Cervi (2018), que possibilitou a identificação de três clusters temáticos presentes no corpus textual estudado, denominados como: “ideologia”, “educação” e “espaço”. A segunda é uma análise de sentimento. De acordo com Malini et al (2017), para essa análise, o pesquisador precisa criar um conjunto de palavras a partir de sua compreensão do conteúdo, que funcionam como filtros e visam enquadrar os sentimentos em um conjunto de termos assertivos. A definição desses sentimentos pode ser genérica: positivo, negativo, ambivalente e neutro (MALINI ET AL, 2017).

Para fazer, então, a classificação de sentimentos foram separadas as 20 palavras que mais apareceram no corpus. Depois de uma observação prévia dos textos, atribuiu-se manualmente a cada palavra valores de [1], [0] e [-1], sendo [1] para a favor do projeto, [-1] contra e [0] como ambivalente ou neutro, como mostra o quadro 1.

Quadro 1 – Lista de palavras e atribuição de sentimentos

Fonte: autor (2019).

Depois de feitas as análises, foram combinados seus resultados. Os tweets da amostra foram distribuídos entre as classes temáticas encontradas na análise automatizada e classificados a partir do cruzamento entre essas categorias e a análise de sentimento (tabela 1). Dessa forma, foi possível perceber que os argumentos ligados à ideologia foram os que mais apareceram na amostra. Já os argumentos que tratam do espaço da escola foram os mais disputados entre apoiadores e detratores do projeto. Os dados também deixam claro que houve mais tweets contra o projeto do que a favor.

Tabela 1 – Cruzamento entre categorias temáticas e sentimentos

Fonte: autor (2019).

Uma percepção preliminar sobre o corpus analisado havia apontado que a controvérsia apresentaria mais aspectos de defesa do projeto Escola sem Partido do que de ataque. Mas, ao fazer a codificação, percebeu-se que os tweets de ataque, com argumentos ligados ao tema ideologia e educação, foram predominantes. Contudo, ideologia também foi o tema mais recorrente entre os apoiadores do projeto. Isso sinaliza que mesmo tendo uma percepção rasa sobre ideologia (BORBA, 2005), os brasileiros não deixam de debater essa temática.


[1] Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/educacao/para-futuro-ministro-escola-sem-partido-e-providencia-fundamental-golpe-de-64-evento-a-ser-comemorado-e-enem-instrumento-de-ideologizacao/. Acesso em: 22 fev. 2019.

Referências

BORBA, J. Cultura política, ideologia e comportamento eleitoral: alguns apontamentos teóricos sobre o caso brasileiro. Opinião Pública, v. 6, n. 1, 2005.

CARREIRO, R.; CHAGAS, V.; MAGALHÃES, D.; TSAI, Y. J. As tretas políticas no Brasil e a repercussão em rede: proposta metodológica para captura e análise de discussão política. CONGRESSO DO INCT.DD, 1, 2018, Salvador. Anais do 1º Congresso do INCT.DD. Salvador: INCT.DD, 2018.

CERVI, E. Análise de Conteúdo Automatizada para conversações em redes sociais online: uma proposta metodológica. ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 42, 2018, Caxambu. Anais do 42º Encontro Anual da Anpocs. Caxambu: Anpocs, 2018.

MALINI, F. CIARELLI, P. MEDEIROS, J. O sentimento político em redes sociais: big data, algoritmos e as emoções nos tweets sobre o impeachment de Dilma Rousseff. Liinc em Revista, v. 13, n. 2, p. 323-342, 2017.

MANSBRIDGE, J. A conversação cotidiana no sistema deliberativo. In: MARQUES, A. C. S. A deliberação pública. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.