Dados sobre a ausência da variável “postura acima da briga” durante os programas eleitorais do primeiro turno

Andressa Butture Kniess e Rafaela Mazurechen Sinderski

Segundo Felipe Borba (2015, p. 268), campanhas eleitorais são importantes para sociedades democráticas porque possibilitam que os eleitores avaliem “atributos pessoais dos candidatos e seus planos de governo para selecionar a opção que consideram melhor à luz de seus interesses individuais ou coletivos”. Assim, o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) assume, no sistema político brasileiro, o relevante papel de informar o público sobre tais questões, possibilitando a exposição de elementos da biografia dos postulantes e dos projetos que pretendem pôr em prática caso sejam eleitos (LOURENÇO, 2009; DIAS, 2013).

Contudo, os programas partidários veiculados na televisão nem sempre estão voltados à divulgação de qualidades do candidato que detém determinado segmento. Neles, também há espaço para a prática da chamada “propaganda negativa”, que, de acordo com a definição trazida por Maia e Alves (2017, p. 3-4), é uma ação estratégica de campanha aplicada com o objetivo de apresentar os defeitos de adversários políticos “ou mesmo os riscos de projetos e decisões para um país, ampliando as frentes do debate democrático, mas também gerando rejeição”, com o fim de dissuadir votantes.

No cenário polarizado e atípico que fez parte da eleição presidencial de 2018 – primeira depois do impeachment de Rousseff (PT), marcada por movimentos antipetistas e antibolsonaristas –, a campanha negativa foi um recurso usado pelos presidenciáveis para afetar a imagem de seus oponentes. Logo, a necessidade de se defender de eventuais ataques também moldou parte dos programas eleitorais. Este post apresenta dados que apontam para a frequência com que tais táticas surgiram nos programas dos candidatos durante primeiro turno do pleito. As variáveis aqui consideradas correspondem: (1) ao candidato a quem pertence o segmento de HGPE; (2) ao apelo utilizado pelo orador, tendo sido (a) pragmático, quando havia proposição de política pública, (b) ideológico, quando estava baseado em preceitos e dogmas ideológicos, (c) político, quando se restringia a defender um partido ou grupo político, (d) emocional, quando apelava para aspectos simbólicos e para a emoção do eleitor, ou (e) documental, quando havia predominância do argumento de autoridade; e, por fim, (3) à variável de “postura acima da briga”, que indica se o segmento foi ou não usado para ataque ou defesa contra adversários. Nessa última variável, marca-se presença quando o candidato não ataca ou se defende e ausência quando ele o faz. Tanto o livro de códigos quanto a categorização dos programas foram feitos pelos membros do CPOP.

Tabela 1 apresenta o cruzamento entre as variáveis “Candidato” e “Postura acima da briga”. O teste de qui-quadrado indica que há associação entre essas variáveis, uma vez que o nível de significância do teste (p-value) está abaixo do limite crítico, que é de 0,05. O V de Crámer, por sua vez, mostra que essa associação é moderada, ocorrendo em 33% dos casos. Os resíduos padronizados servem para verificar a diferença entre os valores observados e os valores esperados de uma distribuição (CERVI, 2014). Com o intervalo de confiança de 95%, consideram-se significativos os valores acima de 1,96 e abaixo de -1,96 (destacados em amarelo).

Nota-se que as distribuições não aleatórias ocorrem no caso de Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB), Álvaro Dias (PODEMOS) e João Goulart Filho (PPL). Fernando Haddad, Ciro Gomes e João Goulart Filho apresentam menos casos do que o esperado de segmentos com ausência de postura acima da briga (-2,1, -2,7 e -2,3, respectivamente). Em outras palavras, esses candidatos tendem a não utilizar o seu tempo no HGPE para atacar ou para se defender de ataques.

Em contrapartida, Geraldo Alckmin e Álvaro Dias apresentam mais casos do que o esperado de segmentos com ausência de postura acima da briga (4,6 e 2,6, respectivamente). No caso de Alckmin, o resíduo padronizado também é significativo para segmentos com presença de postura acima da briga (-3,1). Alckmin é, portanto, o candidato que mais utiliza seu espaço no HGPE para atacar ou para se defender de ataques. As próprias porcentagens demonstram esse resultado: 44% dos segmentos com ausência de postura acima da briga são de Geraldo Alckmin.

Tabela 1 – Cruzamento entre as variáveis “Candidato” e “Postura acima da briga”

Fonte: CPOP (2019)

A Tabela 2 apresenta o cruzamento entre as variáveis “Apelo” e “Postura acima da briga”. Nota-se que, novamente, o nível de significância do qui-quadrado está abaixo do limite crítico, confirmando a associação estatisticamente significativa entre as variáveis. Porém, de acordo com o V de Cramer, essa associação é baixa, ocorre em apenas 23% dos casos. Os resíduos padronizados mostram que as distribuições não aleatórias ocorrem apenas na categoria “Político”: há 4,6 casos a mais do que o esperado de segmentos que se enquadram nessa categoria e apresentam ausência de postura acima da briga e 3,1 casos a menos do que o esperado no caso da presença de postura cima da briga. Isso quer dizer que, quando os candidatos atacam ou se defendem de ataques, eles tendem a utilizar o apelo político.

Tabela 2 – Cruzamento entre as variáveis “Apelo” e “Postura acima da briga”

Fonte: CPOP (2019)

Vale destacar que, dos 725 segmentos que compreendem todo o primeiro turno, em apenas 31% (225 segmentos) os candidatos atacam ou se defendem de ataques. Isso demonstra que, na maior parte dos programas de HGPE, os candidatos não empregam campanha negativa.


Leia também:

A dimensão temporal no HGPE de Bolsonaro e Haddad em 2018

Partido ainda importa? Observações sobre o HGPE de deputados estaduais em 2018


Referências

BORBA, F. Propaganda negativa nas eleições presidenciais brasileiras. Opinião Pública, v. 21, n. 2, p. 268-295, 2015.

CERVI, E. U. Análise de Dados Categóricos em Ciência Política. PPGCP – UFPR, Curitiba, 2014.

DIAS, M. R. Nas brumas do HGPE: a imagem partidária nas campanhas presidenciais brasileiras (1989 a 2010). Opinião Pública, v. 19, n. 1, p. 198-219, 2013.

LOURENÇO, L. C. Propaganda Negativa: ataque versus votos nas eleições presidenciais de 2002. Opinião Pública, v. 15, n. 1, p. 133-158, 2009. MAIA, L. O.; ALVES, M. A agenda da propaganda negativa na campanha de 2014. Teoria & Sociedade, n. 25, p. 1-26, 2017.