O uso e a qualificação do presente, do passado e do futuro nos programas dos presidenciáveis

Alice Lorencetti

Wesley Villar Adam

As eleições de 2018 podem ser compreendidas como um momento atípico dos últimos anos da história política brasileira. Com o Impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016 e com a assunção de seu vice, Michel Temer (MDB), ao cargo da presidência, não foi exatamente possível estabelecer uma “gestão anterior” a qual se desejaria ser vinculado ou desvinculado, contando ainda com a altíssima impopularidade de Michel Temer, cujo governo foi considerado ruim ou péssimo por 82% dos brasileiros, de acordo com o Datafolha[1]. Desta forma, o presente post busca analisar como ocorre a dinâmica do discurso entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro nas campanhas eleitorais no pleito presidencial de 2018, partindo da coleta realizada no Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) a respeito do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) para presidente, com foco especial para a dimensão temporal e sua valência utilizadas pelos candidatos em questão nos pronunciamentos televisivos.

A importância das campanhas eleitorais é inegável ao reconhecer seu potencial de influenciar resultados eleitorais e ainda encontrar nelas as razões para escolha ou rejeição de candidatos pelos eleitores, sendo necessário ainda perceber que as campanhas eleitorais interpretam o estado geral corrente da sociedade (FIGUEIREDO et al., 1997). Da mesma forma, as campanhas não devem se afastar demasiadamente da realidade ao interpretar a sociedade, devem ser leituras coerentes do contexto social, pois caso haja grande distanciamento deixará de tocar na realidade do eleitor disputado e não será merecedor da atenção deste (VEIGA, SOUZA E CERVI, 2011).

Esta releitura do contexto social ocorre porque a dinâmica eleitoral se baseia em uma retórica de argumentação política que possui uma natureza ficcional. Isto é, os candidatos, inseridos em uma dinâmica política de duas vias, em que os eleitores desejam ter seus desejos atendidos e os candidatos desejam ser eleitos, “constroem um mundo atual possível, igual ou um pouco diferente do mundo atual real, e com base nele projetam um novo e bom mundo futuro possível” (FIGUEIREDO et al., 1997, p. 186). Esta ferramenta de retórica possui duas vertentes: o argumento típico da oposição em que “o mundo atual está ruim, mas ficará bom” e o típico de situação ou incumbente em que “o mundo atual está bom e ficará melhor”. (FIGUEIREDO et al., 1997)

Assim sendo, é possível notar que a dimensão temporal é um importante instrumento para estratégias discursivas dos candidatos. Estes tendem a elaborar um desenho sobre o mundo passado/presente e sobre o futuro de acordo com a perspectiva que se encontram no pleito eleitoral, diferenciando-se entre candidato de situação e candidato de oposição. Neste sentido, a postura do candidato de situação tende a propiciar uma estratégia argumentativa voltada para a continuidade administrativa impondo uma valência positiva ao governo subjacente e, assim sendo, propondo um futuro ainda melhor se este continuar no cargo. Diferentemente deste, o candidato de oposição valoriza a mudança e passa a ideia de que o passado e presente são ruins e que o futuro será melhor se este vencer a disputa (SOUZA, CERVI E SANTOS, 2009).


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A valência da dimensão temporal também possui papel importante na estratégia argumentativa eleitoral. Um candidato que tem a característica da situação normalmente utiliza a valência positiva no âmbito presente/passado e também para o futuro, expondo os pontos positivos da gestão e colocando novas metas para que o sucesso continue sendo executado. Enquanto o candidato de oposição tende a explorar os aspectos negativos do passado/presente do governo e propõe um futuro com valência positiva para que este cenário tenha mudanças significativas.

Nas eleições presidenciais de 2018 a dimensão temporal refletiu um cenário onde nenhum dos principais candidatos – Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) – tomou a figura de situacionista, esta posição foi tomada pelo candidato Henrique Meirelles (MDB), que teve pouca efetividade eleitoral. Bolsonaro frequentemente tratou o candidato petista como uma continuidade do governo do presidente em exercício Michel Temer (MDB) e Haddad utilizou a retórica de golpe imposto pelo grupo emedebista sob a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016. Entretanto, ambos os concorrentes abordaram o passado/presente com bastante ênfase em comparação com o futuro, como é possível ver na tabela abaixo.

Tabela 1 – Dimensão temporal dos programas de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad

Fonte: CPOP (2019)

Já a tabela 2 mostra dados relacionados à valência da dimensão temporal. Bolsonaro em suas falas obteve uma valência negativa superior à positiva. Como típico de um candidato oposicionista, ilustrou o passado/presente com diversos problemas e apontou como causa destes problemas a administração petista. Nesta perspectiva, conseguiu sucesso aliando ainda Michel Temer com a gestão petista, pois havia atuado como vice-presidente da chapa que venceu as últimas eleições, em 2014.

Tabela 2 – Valência da dimensão temporal

CPOP (2019)

De maneira diferente, Haddad exibiu grande índice de neutralidade em seu discurso, buscando expor suas propostas de governo e se estabelecer como uma figura política relevante e não só se constituir como uma “sombra” do ex-presidente Lula, mesmo que recorrendo a uma retórica saudosista que criou uma valência positiva do passado, demonstrando os acertos da gestão petista e os avanços que este grupo político proporcionou ao país.


[1] Disponível em https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2018/06/1971539-reprovacao-a-temer-e-recorde.shtml. Acesso em 6 nov. 2019.

FIGUEIREDO, M. et al. Estratégias de persuasão eleitoral: uma proposta metodológica para o estudo da propaganda eleitoral. Opinião Pública, v. 4, n. 3, p. 182–203, nov. 1997.

SOUZA, N. R. DE; CERVI, E. U.; SANTOS, S. A. DOS. Mídia e eleições em Curitiba: estratégias discursivas do PT e do PSDB em 2004 e 2008. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 33, 2009, Caxambu. Caxambu: ANPOCS, 2009.

VEIGA, L.; SOUZA, N. R. DE; CERVI, E. U. Da expectativa de vitória à derrota: estratégias discursivas do PT em Curitiba e Porto Alegre em 2004. Revista Brasileira de Ciência Política, v. 6, p. 99–135, 2011.