Um estudo dos programas dos presidenciáveis, veiculados durante o primeiro turno do pleito

Rangel Ramos e Claudia Afanio

As estratégias utilizadas pelos candidatos em seus discursos no período eleitoral, normalmente, refletem o momento político de uma sociedade. As eleições de 2018, no Brasil, apresentaram reflexos de um discurso político que ganhou proeminência nas manifestações de junho de 2013, atravessou os embates acirrados das eleições presidenciais de 2014 e polarizou ainda mais na cena política brasileira.

Depois de uma eleição severamente questionada, uma operação anticorrupção legitimada por grande parte da opinião pública e o impeachment da primeira mulher eleita como presidente, Dilma Rousseff (PT), a disputa eleitoral brasileira de 2018 foi reconfigurada com a prisão do candidato líder nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse contexto, as candidaturas de Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT), Henrique Meirelles (MDB), Vera Lúcia (PSTU), Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (REDE), Álvaro Dias (PODE), José Maria Eymael (DC), João Amoêdo (NOVO), Geraldo Alckmin (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), Cabo Daciolo (PATRI), João Goulart Filho (PPL), foram deferidas e as campanhas procuraram se adequar à um dos períodos eleitorais mais controverso da história do Brasil.

A partir da conjuntura da corrida eleitoral de 2018 no Brasil, verificamos quais foram as estratégias de campanha utilizadas no HGPE, especificamente no que diz respeito à retórica adotada pelos candidatos à Presidência da República. A análise volta-se para o primeiro turno do pleito.

A retórica é um instrumento da política em que o embate pelo poder passa pela luta na linguagem, pois, com base nela podemos construir as visões retóricas da realidade. Dessa forma, podemos deduzir que a atividade política é um dos terrenos mais propícios ao desenvolvimento da retórica, da argumentação e da dramatização, na medida em que se trata de uma disputa pela atenção e apoio de uma audiência de cidadãos. A atenção é adquirida por aqueles que definem de forma mais plausível uma realidade, através da retórica, conseguem obter identificação com seus pares, mediante o uso dos temas, fantasia e da criação de visões retóricas, veiculadas por personagens adequados aos temas e solicitados pelo momento histórico (BORMAN, 1989). Portanto, a análise retórica tem por objeto o exame das circunstâncias de atuação da linguagem persuasiva e o ponto de partida é o reconhecimento da intenção do orador de influenciar os ouvintes.

A metodologia aplicada neste estudo foi a análise de conteúdo, tendo por unidade de análise o segmento do programa, isto é, o trecho em que não se alteram pelo menos dois elementos entre estes: locutor, tema ou cenário. De cada segmento analisado avaliamos e categorizamos o tipo de retórica adotada.

Os programas foram coletados e classificados de acordo com o livro de códigos constituído pelos pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP) da UFPR e as variáveis sobre retórica analisadas foram: sedução, proposição, crítica, valores e ameaça.

A estratégia de sedução mobiliza os sentidos, buscando a atração da plateia por meio do encantamento. Na proposição, o candidato se concentra em apresentar propostas, denotando um perfil mais pragmático. Na crítica, o que predomina no discurso é o tom negativo, mostrando os problemas da atualidade ou do passado. Em valores, o candidato busca se identificar com o eleitor por meio de valores morais e políticos. E, na ameaça, o candidato tenta mostrar que uma escolha ou situação poderá trazer consequências negativas para o futuro.

A classificação foi realizada em todos os candidatos, mas este post apresenta apenas a análise dos quatro principais candidatos à Presidência da República: Jair Bolsonaro, Fernando Haddad, Ciro Gomes e Geraldo Alkmin. Das cinco estratégias retóricas, analisamos a frequência e o tipo de estratégia utilizada.

Tabela 1 – “Retórica” no HGPE dos candidatos a presidente do Brasil durante o 1º turno da eleição de 2018

Fonte: CPOP (2019)

A tabela mostra, com exceção do candidato Ciro Gomes (33,3%), que todos os outros programas tiveram a estratégia de sedução como a mais utilizada. Isso ficou ainda mais claro quando notamos que os dois candidatos que foram ao segundo turno utilizaram esta estratégia de forma predominante: Jair Bolsonaro (45,9%) e Fernando Haddad (55,1%). 

Se entendermos a estratégia de sedução como um modo de identificação que não é pelo raciocínio, mas pela verossimilhança, obtida pela representação sensível, onde o objetivo não é convencer, mas fascinar pelos sentidos para obter a adesão do eleitor, podemos concluir que a utilização dessa estratégia coaduna com os fatos que tornaram possível esse tipo de discurso, isto é, os acontecimentos históricos que o antecederam e as campanhas televisivas de forma sensacionalista sobre a corrupção e valores morais.


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A segunda estratégia mais utilizada foi a crítica: Jair Bolsonaro (32,1%), Geraldo Alckmin (30,3%), Fernando Haddad (25,3%) com exceção, novamente, do candidato Ciro Gomes (4,4%). Por se tratar de uma eleição suis generis – pois, desses candidatos, nenhum era situacionista, quem estava no posto de Presidência era Michel Temer (MDB) que o obteve por meio do processo de impeachment da então presidenta Rousseff –, o embate sobressaiu com ataques ao Partido dos Trabalhadores.

Vale ressaltar que uma das estratégias utilizadas pelo candidato vencedor das eleições, Jair Bolsonaro, foi o elemento “valores”. Enquanto a campanha de Jair Bolsonaro utilizou 12,6% da retórica valores, os demais utilizaram: Fernando Haddad (4,9%), Ciro Gomes (4,4%) e Geraldo Alckmin (5,0%). Podemos deduzir, então, que o candidato Bolsonaro soube utilizar o caldo cultural no momento da eleição para utilizar a estratégia que mais iria obter seguidores, bem como criar uma identificação direta com o seu eleitor.

Também destacamos que o único candidato dentre esses quatro selecionados que utilizou a estratégia de proposição de forma preponderante foi Ciro Gomes (53,3%), seguido por Geraldo Alckmin (16,4%), Fernando Haddad (13,0%), Jair Bolsonaro (9,4%).

A premissa de analisar como os candidatos fazem suas ideias mais persuasivas nos dá a possibilidade de sugerir que o candidato Jair Bolsonaro, vencedor das eleições de 2018, utilizou a estratégia de valores para se aproveitar do cenário político construído desde as manifestações populares de 2013. Afinal, o objetivo de toda a análise é iluminar o contexto histórico e contribuir para a compreensão dos acontecimentos, sendo assim, podemos afirmar que, na campanha eleitoral de 2018, os valores morais e sensacionalistas foram os protagonistas e venceram a eleição, tendo em vista o episódio da “facada de Bolsonaro”.

Portanto, compreendemos como o discurso de um candidato traz elementos que nos permitem conhecer as percepções que as pessoas têm sobre seu entorno e como elas procuram dar forma à percepção dos outros, podendo ter uma visão da sociedade em que esse discurso foi produzido e concluir sobre a provável efetividade das estratégias adotadas tendo como viés o caldo cultural contemporâneo.

Referências bibliográficas:

BORMANN, Ernest G. Fantasy and rhetorical vision: ten years later. Quarterly Journal of Speech, n. 68, 1982.

PANKE, Luciana; CERVI U. Cervi. Análise da Comunicação Eleitoral: uma proposta metodológica para os estudos de HGPE. Revista Contemporanea- Comunicação e Cultura, v. 9, n. 3, 2011.

SOARES, Murilo Cesar. Construindo o significado do voto: Retórica da Propaganda Política pela Televisão (Tese). Escola de Comunicações e Artes – ECA – USP – 1995.