A pesquisa de Daniel Kei Namise explora a relação entre polêmicas e a cobertura midiática durante campanhas eleitorais, destacando como controvérsias podem influenciar a visibilidade dos candidatos. Utilizando como estudo de caso a cobertura do Jornal Nacional nas eleições presidenciais brasileiras de 2018 e 2022, o texto revela que candidatos polêmicos, como Jair Bolsonaro, obtiveram maior exposição midiática, muitas vezes superando adversários em visibilidade devido à cobertura de controvérsias.

    Polêmicas são frequentemente consideradas prejudiciais em uma sociedade democrática que valoriza o consenso, podendo comprometer a eficácia da democracia. No entanto, tais controvérsias são inerentes ao cotidiano e têm sido parte da dinâmica social por séculos, onde a polarização e a dissensão se tornam comuns, como discutido por Amossy (2017). A autora argumenta que as polêmicas são essenciais para o funcionamento das democracias modernas, pois facilitam o confronto entre visões opostas e fortalecem laços sociais entre indivíduos com valores similares. Isso indica que o dissenso, embora muitas vezes visto como negativo, é uma modalidade de interação essencial para a democracia e não pode ser ignorado.

    No âmbito político, especialmente durante as campanhas eleitorais, a literatura especializada em marketing eleitoral sugere que os candidatos evitem se envolver em polêmicas ou desencadear controvérsias. Contudo, observa-se um aumento no número de candidatos que adotam estratégias polemistas para alcançar seus objetivos políticos nas últimas eleições, principalmente para aumentar sua exposição midiática. É inegável que a cobertura midiática pode afetar as chances de sucesso eleitoral de um candidato (Diniz e Mendes, 2020), mas é válido questionar até que ponto uma polêmica pode contribuir para a visibilidade de um candidato.

    Em 2018, de acordo com um levantamento sobre a exposição midiática dos principais candidatos à presidência, constatou-se que Jair Bolsonaro (PL) teve uma cobertura midiática 24% maior do que seu adversário Fernando Haddad (PT) nas semanas que antecederam o segundo turno das eleições (ibidem). Parte dessa maior visibilidade deve-se às polêmicas que Bolsonaro criou e protagonizou durante o período eleitoral. No entanto, Diniz e Mendes (2020) avaliam que o atentado sofrido pelo ex-presidente também contribuiu para uma maior cobertura midiática. Como a facada foi um evento extraordinário, é válido questionar se, em um pleito sem acontecimentos fora do comum, um candidato polêmico teria uma visibilidade significativamente maior que seus concorrentes.

    Para verificar isso, foram analisadas 75 edições do Jornal Nacional (Rede Globo) veiculadas entre o período de 16 de agosto, data em que a propaganda política é oficialmente permitida pela legislação, até o final do segundo turno, em 2 de outubro de 2022. A escolha do Jornal Nacional como foco deste estudo é intencional e bem fundamentada. Sendo o principal telejornal do Brasil, ele não só atinge índices de audiência até quase sete vezes superiores aos de seus concorrentes, mas também é reconhecido por sua cobertura que tende a ser equilibrada durante as eleições.

    O Jornal Nacional faz um esforço consciente para produzir matérias que cobrem as rotinas de campanha dos quatro candidatos mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais, oferecendo durações praticamente idênticas para cada um, além de variar a ordem de apresentação para evitar favorecimentos. Quando um candidato não possui compromisso de campanha ou participa de evento fechado em que a imprensa não está autorizada a cobrir, o telejornal informa os telespectadores por meio de uma nota breve de poucos segundos. Além disso, conforme apontado por Miguel (1999), há uma tendência de redução na cobertura de temas políticos ligados ao governo em períodos eleitorais, um aspecto crucial para análises, especialmente quando um dos candidatos busca a reeleição.

    A partir da mensuração do tempo dedicado à cobertura dos candidatos e do número de matérias produzidas sobre cada um, observou-se que, no primeiro turno, Bolsonaro foi o candidato com maior exposição no Jornal Nacional (gráfico 1). Tanto Lula (PT), Ciro Gomes (PDT) quanto Simone Tebet (MDB) tiveram aproximadamente 37 matérias produzidas sobre suas campanhas eleitorais, com cada matéria durando em torno de um minuto. Ao somar o tempo da sabatina com o das matérias, verifica-se que esses três candidatos tiveram um tempo de exposição no Jornal Nacional de cerca de 76 minutos.

    Contudo, Bolsonaro (PL) teve somente 30 matérias sobre sua rotina de campanha (em 7 dias ele não teve compromissos públicos, ou eram eventos em que a imprensa não estava autorizada a participar), o que lhe conferiu, somando ao tempo da sabatina, um total de 67 minutos de exposição. O ex-presidente compensou essa diferença com a protagonização de polêmicas eleitorais que lhe conferiram 13 minutos a mais, fazendo dele o candidato, durante o primeiro turno, com mais inserções no telejornal. Entre essas polêmicas estão o uso eleitoral do 7 de setembro, o uso de deepfakes para compartilhar informações falsas sobre as pesquisas eleitorais e ações de partidos contra ele por atitudes consideradas como abuso de poder econômico e político.

    Gráfico 1: Tempo de exposição dos candidatos no Jornal Nacional durante o primeiro turno.

    Ao analisar o segundo turno, observou-se que a estratégia polemista de Bolsonaro aumentou consideravelmente seu tempo de exposição em comparação ao de Lula. Em relação às matérias sobre suas atividades de campanha, ambos tiveram aproximadamente o mesmo tempo de exposição no Jornal Nacional de aproximadamente 55 minutos. No entanto, ao final do segundo turno, Bolsonaro gerou a polêmica das inserções nas rádios do Nordeste, o que lhe conferiu mais de 14 minutos a mais que seu adversário no Jornal Nacional. Dessa forma, Bolsonaro teve aproximadamente 30% a mais de tempo de exposição em relação a Lula no telejornal.

    Gráfico 2: Tempo de exposição dos candidatos no Jornal Nacional durante o segundo turno.

    O levantamento das matérias produzidas sobre as polêmicas e seus desdobramentos mostrou também que elas tinham uma duração superior a dois minutos, o que é indicativo das polêmicas serem uma pauta relevante na cobertura telejornalística (Porto, 2004). Outro ponto importante a ser considerado é que as matérias sobre as polêmicas sempre tiveram uma postura crítica às ações do candidato polemista. Embora seja consenso na literatura que a mídia tradicional apresente um viés em sua cobertura, Mundim et al. (2022) explicam que essa posição crítica do Jornal Nacional não necessariamente significa uma cobertura sistematicamente enviesada, visto que naturalmente existem momentos de maior ou menor criticidade ao longo de uma campanha.


    Referências

    AMOSSY, Ruth. Apologia da polêmica. São Paulo: Contexto, 2017. Coleção dirigida por Michel Meyer. Coordenação de tradução de Mônica Magalhães Cavalcante.

    BARBOSA DINIZ, R.; ARAÚJO MENDES, V. Uma análise de rede das mídias tradicionais e a cobertura das eleições de 2018. CSOnline – REVISTA ELETRÔNICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, n. 31, maio 2020.

    MIGUEL, L. F. Mídia e eleições: a campanha de 1998 na Rede Globo. Dados, Rio de Janeiro, v. 42, n. 2, 1999.

    MUNDIM, P. S.; GRAMACHO, W.; TURGEON, M.; STABILE, M. Viés noticioso e exposição seletiva nos telejornais brasileiros durante a pandemia de COVID-19. Opin Publica, v. 28, n. 3, p. 615-634, set. 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-01912022283615. 

    PORTO, Mauro Pereira. Enquadramentos da mídia e política. In: Comunicação e política: conceitos e abordagens. Salvador: Edufba, 2004.