Um levantamento sobre as proposições ligadas ao tema na Câmara dos Deputados entre 2003 e 2018

Andressa Butture Kniess

Nos últimos anos, o Brasil tem aprofundado suas ferramentas de transparência pública digital em virtude da aprovação de leis que regulam essa dimensão democrática. Há três normas que devem ser destacadas: 1) Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n° 101), de maio de 2000, que estabelece normas para a administração das receitas públicas e dispõe de um capítulo específico sobre transparência, controle e fiscalização[1]; 2) Lei da Transparência (Lei Complementar n° 131), de maio de 2009, que alterou a redação da LRF e determina que as informações sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios sejam disponibilizadas em tempo real[2]; e 3) Lei de Acesso à Informação (Lei n° 12527), de novembro de 2011, que regula a transparência ativa e passiva no Brasil[3].

O caso brasileiro não é isolado. Hoje, já existem mais de 100 países com leis de acesso à informação (MICHENER, 2015). E, diante disso, alguns pesquisadores têm se dedicado a examinar a força e a aplicabilidade dessas leis (BANISAR, 2006; ACKERMAN, SANDOVAL-BALLESTEROS, 2006). Entretanto, ainda há uma escassez de pesquisas que investiguem a produção legislativa sobre transparência pública digital: quantas matérias são apresentadas, quais sãos as decisões sobre essas matérias e quais são os representantes políticos que as propõem. E uma vez que a própria classe política é constrangida pelas ferramentas de transparência (BERLINER, 2014), é essa lacuna que este breve texto busca começar a preencher.

Nas últimas quatro legislaturas finalizadas (entre 2003 e 2018), 479 proposições legislativas que buscavam regular a transparência pública digital no Brasil foram apresentadas na Câmara dos Deputados. Dentre essas proposições, 384 foram apresentadas pelos próprios Deputados Federais, 50 são de autoria do Poder Executivo, 28 vêm do Senado Federal, nove vêm de comissões, cinco compreendem legislação participativa (foram enviadas por cidadãos), uma é da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, uma é da Procuradoria-Geral da República e uma é do Supremo Tribunal Federal.

Dentre as 384 matérias apresentadas pelos Deputados Federais, 24 foram apresentadas em parceria, ou seja, possuem dois autores ou mais. O gráfico 1 apresenta os partidos dos Deputados Federais que propuseram sozinhos as 360 proposições restantes. Com o intuito de fazer uma comparação, são expostas também as médias das bancadas desses partidos considerando as quatro legislaturas analisadas. Por exemplo, durante as legislaturas de 2003-2006, 2007-2010, 2011-2014 e 2015-2018, o PT elegeu 91, 83, 86 e 68 Deputados Federais, respectivamente. A média da bancada, portanto, é de 82 parlamentares durante essas legislaturas.

Gráfico 1 – Partidos dos Deputados Federais autores das proposições legislativas em comparação com as médias das bancadas de cada partido entre 2003 e 2018

Fonte: autora, com base nos dados do Portal da Câmara dos Deputados (2020).

Nota-se que os três partidos que mais propuseram matérias sobre transparência pública digital foram PT, MDB e PSDB. Entretanto, esse resultado ocorre porque essas agremiações tiveram as maiores bancadas na Câmara dos Deputados ao longo do período estudado. Os partidos que se destacam por apresentarem número de proposições maior do que a média de parlamentares são: PSD, CIDADANIA (antigo PPS), PSOL, PV, PROS, SD e PODE (antigo PTN e unificado ao PHS). PRTB e PSL apresentaram um projeto cada ao longo do período e a média de suas bancadas é de 0,75[4].

No caso do PSOL, PSD e PROS, esses resultados se justificam porque alguns parlamentares desses partidos propuseram várias matérias sobre o tema: 1) Chico Alencar, que apresentou duas matérias enquanto esteve no PT e sete pelo PSOL; 2) Ivan Valente, também filiado ao PSOL, apresentou cinco matérias sobre o tema; 3) Jaime Martins apresentou uma matéria enquanto esteve no PSD e oito já pelo PROS; e 4) Rômulo Gouveia, que é filiado ao PSD e apresentou cinco matérias sobre o tema.

O principal achado deste texto é que a apresentação de proposições que buscam regular a transparência pública digital no Brasil não se restringe a um espectro ideológico específico. Resultado que corrobora outras pesquisas que olham para índices de transparência e demonstram que não há associação significativa entre o partido político de gestores públicos e a qualidade dessa dimensão democrática (RODRIGUES, 2016; PEREIRA, AMARAL, COSTA, 2010).


[1] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm. Acesso em 30 out. 2020.

[2] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp131.htm. Acesso em 30 out. 2020.

[3] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em 30 out. 2020.

[4] Ressalta-se que o REDE apresentou três projetos ao longo do período. Entretanto, visto que o partido foi criado apenas em 2015 e a coleta considerou os eleitos nas eleições de 2002, 2006, 2010 e 2014, o gráfico 1 apresenta média zero para a bancada dessa agremiação. Para mais, ver: https://www.camara.leg.br/deputados/bancada-na-eleicao. Acesso em 30 out. 2020.


Referências

ACKERMAN, J. M., SANDOVAL-BALLESTEROS, I. E. The global explosion of freedom information laws. Administrative Law Review, v. 58, n. 1, p. 85-130, 2006.

BANISAR. D. Freedom of information around the world. Privacy International, 2006.

BERLINER, D. The political origins of transparency. The Journal of Politics, v. 76, n. 2, p. 479-491, 2014.

MICHENER, G. Assessing freedom of information in Latin America a decade later: Illuminating a transparency causal mechanism. Latin American Politics and Society, v. 57, n. 3, p. 77-99, 2015.

PEREIRA, M. A. G., AMARAL, E. F. L., COSTA. M. Governo eletrônico e os executivos municipais: o caso de Minas Gerais. In: ANPOCS, Caxambu, 2010. Anais do 34º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Caxambu, 2010.

RODRIGUES, M. P. Governança digital e transparência pública: uma análise das prefeituras paranaenses. 2016. 183 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal do Paraná, 2019.