O pesquisador Miguel Quessada em coautoria com os pesquisadores Daniel Namise, Rafael Rocha e Raquel Mirian no trabalho em desenvolvimento “A União que Enfraquece: Um Estudo sobre as Fusões dos Partidos Políticos a partir da Comunicação Partidária”, investiga os efeitos das fusões partidárias no Brasil com foco na comunicação partidária institucional, analisando os casos do União Brasil (resultado da fusão entre DEM e PSL) e do PRD (formado a partir da união entre PTB e Patriota). A pergunta norteadora da pesquisa é se a união entre partidos resulta na soma de pautas e em uma real transformação ideológica ou se configura apenas como estratégia de sobrevivência eleitoral e rebranding político.
Do ponto de vista teórico, autores como Freidenberg e Levitsky (2007) e Ferreira (2018) partem do conceito de comunicação partidária como um sistema de mídias cruzadas voltado à promoção da sigla e de seus líderes, visando a maximização eleitoral e a construção de uma imagem pública favorável (Ferreira, 2018). Essa comunicação, que historicamente esteve ligada à militância e à difusão ideológica, tornou-se mais profissionalizada, concentrando-se na construção da marca partidária (Barquero & Vasconcelos, 2013) e no marketing político (Caldas & Azevedo Jr., 2017). A literatura aponta que a comunicação partidária hoje integra elementos como planejamento estratégico, opinião pública, públicos segmentados e políticas de comunicação (Ferreira, 2018). Nesse sentido, os partidos deixam de lado os boletins ideológicos e passam a atuar como produtores de conteúdo jornalístico próprio, buscando independência da mídia tradicional e conexão direta com grupos sociais. O artigo contextualiza as fusões à luz das mudanças na legislação eleitoral brasileira. A chamada cláusula de barreira, ou cláusula de desempenho (Coelho, 2022), e o fim das coligações proporcionais em 2020 tornaram mais difícil a sobrevivência de partidos pequenos e medianos, incentivando fusões e federações. A fusão entre siglas, segundo a legislação (Lei n° 9.096/1995), deve envolver a elaboração de um novo estatuto e diretrizes, criando uma nova agremiação a partir da extinção das originais.
Metodologicamente, a pesquisa baseia-se na análise de conteúdo de documentos oficiais (estatutos, manifestos e programas partidários), com um protocolo adaptado do MARPOR (Manifesto Research on Political Representation), conforme sugerido por Tarouco & Madeira (2013). Foram criadas 80 categorias temáticas distribuídas em seis blocos: Costumes e Comportamento; Economia; Sistema Político e Tipo de Governo; Grupos Sociais; Política Internacional; e Bem-Estar e Qualidade de Vida. As categorias foram tratadas de maneira binária (presença/ausência), além da análise de valência (positiva, negativa, neutra) inspirada em Sampaio & Lycarião (2021).
No caso do União Brasil, a fusão entre DEM e PSL deu origem, inicialmente, ao maior partido da Câmara dos Deputados. Contudo, seu desempenho nas eleições subsequentes mostrou que o ganho institucional não se traduziu automaticamente em maior representação política. No campo programático, o União Brasil não somou as agendas dos dois partidos de origem. Algumas pautas desapareceram, como dívida externa, sindicalismo e reforma agrária. Por outro lado, surgiram temas inéditos, como empreendedorismo, distribuição de renda, municipalismo e internacionalismo. Houve também a inclusão de grupos sociais anteriormente marginalizados, como a população LGBTQIAP+, pretos e mulheres, embora categorias como trabalhadores, aposentados e pessoas com deficiência tenham deixado de ser mencionadas.
Quanto à valência, observou-se um aumento de pautas positivas e neutras, com redução das negativas. Isso demonstra uma estratégia de moderação discursiva e neutralização de temas polêmicos, como oposição à moratória da dívida externa ou conflito entre capital e trabalho, presentes nos programas anteriores de PSL e DEM. Já o PRD, surgido da fusão entre PTB e Patriota, apresenta um caso oposto: foi criado como estratégia para superar a cláusula de barreira, após ambas as legendas falharem em obter desempenho eleitoral satisfatório. A fusão, porém, resultou em uma drástica redução programática. Enquanto PTB e Patriota apresentavam cerca de 35 pautas em seus documentos, o PRD mantém apenas cinco, sendo quatro obrigatórias por força constitucional (democracia, soberania nacional, pluripartidarismo, liberdade). Apenas a “família” permanece como bandeira ideológica clara. O partido não publicou manifesto e apresenta comunicação institucional mínima, evidenciada pela ausência de conteúdo substantivo no site oficial até meados de 2024.
A trajetória do PRD é precedida por intensos reposicionamentos: o PEN, com proposta ecológica, transformou-se em Patriota com viés conservador à direita, defendendo pautas como armamento, família tradicional e oposição ao aborto e direitos LGBTQIAP+. Em seguida, o partido moderou seu discurso e voltou-se ao centro antes da fusão com o PTB. A análise de valência reflete esse vaivém ideológico: o Patriota II apresentou o maior número de pautas negativas, com oposição explícita a temas como socialismo, casamento homoafetivo, drogas e educação ideológica. Em contraste, o PEN inicial não apresentava nenhuma valência negativa. A fusão entre Patriota e PTB, portanto, culminou em um partido genérico e ideologicamente esvaziado. A ausência de um manifesto e o foco em apenas um núcleo simbólico (“família”) apontam para a comunicação como instrumento burocrático e estratégico, sem um projeto político coeso.
Conclui-se que, embora as fusões partidárias possam resultar em mudanças externas — como identidade visual e maior representação institucional momentânea —, essas alterações raramente refletem transformações internas significativas. No caso do União Brasil, houve uma tentativa de unificação discursiva com moderação ideológica. Já no PRD, a fusão foi uma manobra de sobrevivência, que resultou em uma legenda com escassa identidade programática. Esses achados empíricos reforçam a ideia de que os reposicionamentos e fusões, na prática, pouco impactam a substância ideológica e programática dos partidos. Em vez disso, confirmam a tendência de uso da comunicação partidária como estratégia adaptativa e de marketing político, mais do que como expressão de um projeto programático consolidado.
Referências
BARQUERO, Marcello; VASCONCELOS, Camila de. Crise de representação política, o surgimento da antipolítica e os movimentos apartidarismo no Brasil. In: Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política-COMPOLÍTICA. 2013.
COELHO, Josafá da Silva. Partidos Políticos no Brasil: Os dilemas entre a cláusula de barreira e o hiperpartidarismo. Curitiba: Juruá Editora, 2022.
FERREIRA, N. T. Comunicação partidária em canais digitais: as disputas por enquadramentos noticiosos. Esferas, v. 1, n. 12, p. 21-30, 8 nov. 2018.
SAMPAIO, R. C.; LYCARIÃO, D. Análise de conteúdo categorial: manual de aplicação. Brasília: Enap, 2021.
TAROUCO, Gabriela & MADEIRA, Rafael. 2013. “Partidos, Programas e o Debate sobre esquerda e direita no Brasil”. Sociologia Política, vol. 21, n. 45, pp. 149-165.
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