Uma breve análise das justificativas presentes em comentários sobre o tema, publicados nas páginas do MBL, do Quebrando o Tabu e do Senado Federal entre 2015 e 2018
Nas últimas décadas, surgiram muitos estudos relacionados à Comunicação e à Política que se preocupam em identificar possíveis valores democráticos nas discussões que se desenrolam na internet (SCHÄFER, 2015). A investigação de conversações políticas cotidianas no ambiente on-line aparece como um tópico especialmente importante para esse tipo de pesquisa, já que essas interações – vistas como uma alternativa, mais informal e menos estrita, à deliberação – permitiriam a troca, entre cidadãos, de argumentos sobre assuntos de interesse público (MANSBRIDGE, 1999). Contudo, não é raro que essas conversações apresentem traços de agressividade, desrespeito e que se mostrem pouco recíprocas, limitadas à expressão de pontos de vista ao invés de promover uma verdadeira discussão sobre tópicos políticos (CARVALHO, MASSUCHIN E MITOZO, 2018; RIZZOTTO E BELIN, 2019).
Com esse contexto como pano de fundo, esta publicação faz uma breve análise de comentários publicados no Facebook sobre um tema de interesse coletivo que tem sido pauta no Congresso Nacional e na esfera pública há cerca de três décadas: a redução da maioridade penal. O objetivo é verificar se, ao falar sobre a temática – que é permeada por questões como violência e desigualdades (ABRAMOVAY, 2002) –, os comentadores se preocupam em justificar seus posicionamentos, abrindo espaço para o diálogo com outros internautas, ou se apenas expõem suas opiniões sem se preocupar em usar da razão para explicar seu pensamento.
Para tanto, foi aplicada uma análise de conteúdo em 378 comentários, uma amostra representativa de 21.352 publicações feitas nas fanpages do Movimento Brasil Livre (MBL), Quebrando o Tabu e Senado Federal entre 2015 e 2018. Os textos investigados foram previamente identificados como pertencentes a uma perspectiva de “redução punitivista”, o que significa que tais comentários encaram a mudança do limite de imputabilidade como matéria de segurança pública, relacionada à punição e não à educação ou à mudança da estrutura social (SINDERSKI, 2020). O recorte temporal se justifica por abranger o período entre a aprovação, em 2015, da PEC 171/1993 na Câmara dos Deputados, que visa reduzir a idade penal para os 16 anos em determinados casos, e o ano da eleição presidencial vencida por Jair Bolsonaro (sem partido), notório apoiador da redução.
A tabela 1 representa a distribuição da amostra.
Tabela 1 – Distribuição dos comentários da amostra nos anos e páginas
A variável aqui analisada, chamada de “justificação”, foi desdobrada em quatro categorias: (1) interna, para quando há tentativa de justificar o posicionamento – seja ele contra ou a favor da alteração da idade penal –, mas a justificativa é interna, apoiada nas crenças e percepções do indivíduo; (2) externa, para quando a argumentação tem como base dados, pesquisas e fatos advindos de fontes verificáveis; (3) de posição, quando não existe argumento e o esforço para explicar o ponto de vista é deixado de lado; e (4) outro, para quando o comentário não se encaixa nas demais classificações.
O gráfico 1, abaixo, mostra os resultados para a categorização. Vê-se que a grande maioria (83,3%) dos comentadores se preocupou em justificar seus posicionamentos ao falar sobre a redução da maioridade penal sob uma perspectiva punitivista. Porém, poucos apoiaram suas opiniões em fontes externas (1,6%). A maior parte dos internautas (81,7%) embasou suas posições em histórias individuais ou naquilo que acreditam ser verdadeiro em relação ao tema, mesmo que tais crenças não se provem reais.
Gráfico 1 – Presença das categorias de “justificação” na amostra (%)
Assim, podemos constatar que há, de fato, um interesse em discutir sobre a alteração do limite de imputabilidade nos comentários das páginas estudadas. Essa compreensão parte do fato de que os internautas estão desenvolvendo argumentos para defender seus posicionamentos – a qualidade desses argumentos é elemento para outra pesquisa –, abrindo espaço para o diálogo. Somente 15,9% expuseram opiniões sem justificá-las, aproximando sua atuação de um monólogo no qual não há interesse em elaborar pontos de vista.
Outros estudos podem aprofundar essa análise ao verificar se diferentes páginas, com diferentes posicionamentos, levam os comentadores a se justificar mais ou menos. A radicalização dos discursos também é um elemento interessante para pesquisa, já que há a possibilidade de que uma parte dessas justificações sejam apresentadas de forma agressiva.
Referências:
ABRAMOVAY, Miriam et al. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas. Brasília: UNESCO, BID, 2002.
CARVALHO, Fernanda Cavassana de; MASSUCHIN, Michele Goulart; MITOZO, Isabele Batista. Radicalização nas redes sociais: comentários no Facebook durante a disputa presidencial em 2014 no Brasil. Análise Social, v. 53, p. 898-926, 2018.
MANSBRIDGE, Jane. Everyday talk in the deliberative system. In: MACEDO, Stephen. Deliberative politics: essays on democracy and disagreement. New York: Oxford University Press, p. 211-239, 1999.
RIZZOTTO, Carla; BELIN, Luciane. DEBATE ALÉM DA FRONTEIRA: características deliberativas da conversação de brasileiros sobre a [não] descriminalização do aborto na Argentina. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO POLÍTICA, 8, 2019. Anais do VIII Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação Política . Brasília: Compolítica, 2019.
SCHÄFER, Mike. Digital Public Sphere. In: MAZZOLENI, G. (Ed.). The International Encyclopedia of Political Communication. John Wiley & Sons, 2015.
SINDERSKI, Rafaela Mazurechen. Conversação política online sobre a redução da maioridade penal: uma análise comparativa das fanpages Quebrando o Tabu, Movimento Brasil Livre e Senado Federal entre 2015 e 2018. Curitiba. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Universidade Federal do Paraná, 2020.