Ao se associarem a grupos que atendem pautas sociais, os candidatos paranaenses à Câmara dos Deputados em 2018 priorizaram a saúde frente à segurança e à educação

Rangel Ramos

O argumento moral é um tipo de apelo que atravessa tanto a consolidação de uma organização social, quanto uma campanha eleitoral. Enquanto a organização demanda a conscientização popular para obter mais investimentos e aumentar o engajamento, o político apela à questão moral para conscientizar os eleitores de que é o melhor candidato e assim busca angariar mais votos.

Ao analisarmos o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) de candidatos paranaenses à Câmara dos Deputados em 2018, em 7,7% dos programas os candidatos utilizaram o apelo moral para pedir votos. Isso fica mais evidente quando identificamos que 8,6% dos programas também assumiram a ética e a moral como tema de suas campanhas. Indicando que, entre os candidatos paranaenses, o tema e o apelo caminharam lado a lado na campanha do HGPE para a Câmara em 2018. 

Por outro lado, no mesmo HGPE analisado, dos 2016 programas que foram ao ar, apenas 27 fizeram menção a alguma organização social. Isso representa somente 1,3% do total de programas transmitidos. Dentre as organizações mencionadas, a organização mais citada foi o Uopeccan, Hospital especializado em oncologia de Cascavel. A ONG, criada em 1991, atende toda a região oeste do estado e apareceu, pelo menos, 12 vezes nos programas do HGPE analisado, ficando à frente de instituições como polícia, APAE e Unidos contra a Corrupção, como pode ser visto no gráfico abaixo:

Gráfico 1 – Organizações mencionadas pelos candidatos à Câmara dos Deputados em 2018

Fonte: CPOP (2020).

As organizações sociais são formadas a partir de interesses individuais e coletivos. Mas o HGPE analisado mostra que mesmo quando o apelo e o tema dos programas são pautados na moral e ética, grande parte dos candidatos que adotou a estratégia de aliar seu nome a uma organização social, preferiu tocar em algo mais sensível, a saúde, do que em organizações anticorrupção ou até mesmo a Polícia Militar, que carrega a prerrogativa de proteção e cumprimento da lei.

Olson (2011, p. 19) diz que “embora as organizações sociais sirvam a interesses puramente pessoais e individuais, sua função e característica básica é sua faculdade de promover interesses comuns de grupos e indivíduos”. Contudo, o próprio autor reconhece que em determinadas situações é inevitável que o interesse individual acabe sobrepondo os interesses coletivos, como visto no caso do HGPE, quando se trata de uma abordagem de campanha.

Do prisma de uma argumentação eleitoral, o tratamento de câncer é, obviamente, um interesse coletivo, mas atinge apenas uma parcela da população, isto é, os pacientes atendidos e seus parentes mais próximos. Portanto, ainda que o apelo mais latente no HGPE analisado tenha sido moral, os candidatos preferem aliar seu nome a organizações que atendem interesses mais específicos e individuais como a saúde, em detrimento de assuntos coletivos como combate a corrupção, educação especial e segurança pública.

Le Bon (2008), em sua análise psicossocial dos movimentos sociais, aponta que o povo latino tende a ser tomado pela emoção ao se engajar em pautas sociais. Isso pode ser relacionado ao fato de que, no HGPE, uma questão sensível como a luta contra o câncer ganhou maior suporte entre os candidatos que mencionaram organizações sociais em seus programas. Além disso, para o autor, o líder mobilizador é aquele que consegue trabalhar o imaginário preexistente no coletivo. Desde Le Bon, o estudo da Psicologia Política, que visa observar a composição dos sujeitos coletivos, tem sido um dos vieses mais importantes da explicação da constituição das ações coletivas.

Conquanto, na articulação entre Política e Psicologia, um conceito importante é do atomismo do sujeito, isto é, o sujeito coletivo se individualizando e perdendo seu vínculo com o social. Dessa forma, alienando o sujeito mesmo dentro da própria coletividade, como se o político estivesse sem sujeito, uma ideia apresentada por Gabriel Tarde, em 1895, que o autor intitulou de Mônadas.  

Latour et al. (2012), compreendendo a ideia de que as Mônadas são pequenas partes do todo, propõem que, na era digital, a lógica de Gabriel Tarde fica ainda mais evidente por causa da possibilidade de navegação por bancos de dados virtuais, em que surge uma nova percepção social a partir de um ator que preexiste em rede. Que até podem ser concatenas em hashtags, promovendo o que ficou conhecido como “ativismo de hashtag”, mas, ainda assim, o sujeito continua em sua argumentação individualista. O exemplo citado ocorre nas redes sociais on-line, mas, neste texto, vimos como a abordagem individualista surgiu no HGPE dos deputados federais paranaenses, quando os candidatos se preocupavam em mencionar organizações sociais em seus programas.

Referências

LATOUR, B.; JENSEN, P.; VENTURINI, T.; GRAUWIN, S.; BOULLIER, D. The whole is always smaller than its parts’ – a digital test of Gabriel Tardes’ monads. Institut Rhonalpin des Systèmes, IXXI Complexes and Laboratoire de physique, UMR CNRS, ENS de Lyon. London School of Economics and Political Science, 2012.

LE BON, Gustave. A Psicologia das Multidões. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2008.

OLSON, Mancur. A lógica da Ação Coletiva. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 2011.

TARDE, Gabriel. Monadologie et sociologie. Paris: Les empêcheurs de penser en rond, 2012.