A pandemia de COVID-19 impactou as eleições municipais no Brasil, resultando em mudanças no calendário eleitoral e campanhas digitais. Um estudo realizado pelo pesquisador Gabriel da Costa analisou 562 tweets de candidatos da extrema-direita em Curitiba. Identificou-se uma narrativa negacionista em relação à pandemia, com oposição à vacinação e medidas de isolamento. Os discursos conservadores foram alinhados ao presidente Bolsonaro. O uso da desinformação e de tratamentos não comprovados evidencia a influência da extrema-direita nas eleições e na sociedade.
A pandemia de COVID-19 foi um marco histórico que impactou a vida e o cotidiano das pessoas em todo o mundo. A pandemia também afetou os processos eleitorais em diversos países, incluindo o Brasil. Em 2020, ocorreram as eleições municipais brasileiras, que elegeram prefeitos e vereadores para o mandato vigente naquele momento. Essas eleições foram marcadas por mudanças no calendário eleitoral (SANTANO, 2020), proibição das campanhas de rua (TAROUCO, 2021) e registros recordes de abstenções nos dias de votação, com 23% de não votantes no primeiro turno e 30% no segundo (TAROUCO, 2021).
No que diz respeito às campanhas, foi possível perceber um fortalecimento das campanhas eleitorais digitais, como resultado das medidas de segurança sanitária impostas para evitar aglomerações de pessoas (CERVI et al., 2021). Ao analisar as campanhas digitais dos candidatos no Twitter, é possível identificar algumas relações entre a extrema-direita curitibana e a pandemia de COVID-19.
Para essa análise, foram coletados 3.261 tweets de 12 candidatos (totalizando 16 candidatos, mas 4 não utilizaram o Twitter como ferramenta de campanha). Os números de tweets por candidato estão dispostos na tabela abaixo.
Os candidatos de interesse aqui são Marisa Lobo, do partido Avante, com 355 tweets, e Zé Boni, do PTC, com 207 tweets. Esses 562 tweets compõem um subcorpus textual que representa as campanhas dos candidatos da extrema-direita nas eleições municipais de Curitiba em 2020.
Utilizando o software Iramuteq, uma ferramenta que permite a análise lexical dos termos presentes em um corpus textual, é possível apresentar uma análise de semelhança que posiciona os principais termos estatisticamente significativos dentro do subcorpus utilizado e analisar as relações de proximidade entre os termos. Essa análise de semelhança está presente no gráfico abaixo.
Com o gráfico, é possível observar que o termo “covid” está na comunidade representada pela cor amarela, próxima à comunidade de cor azul, onde se encontra o termo “vacina”, assim como outros termos como “liberdade” e “mudacuritiba”. As relações de proximidade entre os termos relacionados à temática da pandemia são claras e também estão ligadas à comunidade representada pela cor verde, que inclui os termos “conservador”, “jairbolsonaro” e “presidente”, demonstrando que os candidatos da extrema-direita alinharam seus discursos aos do presidente Bolsonaro e expressaram suas preocupações com a pandemia de uma perspectiva mais conservadora. Também estão presentes os termos “deus” e “família” na comunidade amarela, associados ao termo “covid”. Esses termos representam discursos conservadores que permeiam as campanhas da extrema-direita brasileira de forma geral, relacionados à prática de costumes cristãos e aos núcleos familiares tradicionais.
Para exemplificar melhor a presença desses termos no corpus, dois tweets da candidata Marisa Lobo serão apresentados a seguir: “Sobre a vacinação da Covid-19. Como prefeita, não obrigarei ninguém a tomar a vacina, respeitaremos as liberdades individuais de cada cidadão. #MarisaLobo70 #DamadeFerroCWB”
“Sendo eleita prefeita de Curitiba, NÃO OBRIGAREI NINGUÉM A TOMAR VACINA DO COVID. Adotarei protocolo de prevenção, atendimento e tratamento precoce. Se a doença começou em março, como pode já existir uma vacina pronta? Acorda Brasil, não somos cobaias. #MarisaLobo70 @jairbolsonaro”
Com base na análise dos termos e suas presenças no corpus, percebe-se uma forte narrativa negacionista que envolve tratamentos alternativos de eficácia não comprovada e um sentimento de oposição em relação às medidas de isolamento e segurança sanitária. A pandemia foi abordada a partir de uma perspectiva conservadora, na qual houve negação da obrigatoriedade da vacina, discordância em relação à necessidade de distanciamento social e também alinhamento aos discursos do presidente Jair Bolsonaro, que, de forma geral, negligenciou os cuidados com a prevenção da doença no Brasil. Essa abordagem da pandemia pela extrema-direita levanta questões que se beneficiariam de um estudo mais aprofundado, com outros corpora textuais e metodologias, levando em consideração as limitações da análise lexical, a fim de compreender melhor como essa classe política usou a pandemia para difundir seus discursos e ideais conservadores, e também como o uso da desinformação (considerando o apoio e a disseminação de métodos não considerados eficazes no combate e prevenção da doença) impactou tanto o processo eleitoral quanto a sociedade como um todo.
REFERÊNCIA :
CERVI, E. U.; VERNER, A. F.; SINDERSKI, R. M. Até tu, prefeito! Sobre quando as redes Sociais on-line chegam às eleições municipais. Revista de Sociologia e Política. Política e Sociedade. Florianópolis: v. 20, n. 49, p. 73-103, set. 2021.
SANTANO, A. C. O debate sobre as eleições municipais de 2020 no Brasil e a pandemia da Covid-19. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 57, n. 226, p. 29-48, abr./jun. 2020.
TAROUCO, G. Covid-19 and the Brazilian 2020 Municipal Elections. International Institute for Democracy and Electoral Assistance. Sweden, Stockholm, p. 1-18, fev. 2021.
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