O pesquisador Bruno Z. Kotvisky procura analisar as campanhas dos
presidenciáveis para o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) de quatro eleições (2010, 2014, 2018 e 2022) de modo a poder comparar o período anterior à presença disruptora de Bolsonaro na corrida eleitoral ao período atual. O objetivo é tentar perceber se existe diferença entre as campanhas de candidatos mais tradicionais e as campanhas de Jair Bolsonaro, suposto outsider de tendências autoritárias e antidemocráticas, ou se seu discurso mais radicalizado fica restrito a outros meios de publicidade.

A partir da redemocratização, o horário gratuito de propaganda eleitoral
(HGPE) tem ganhado destaque no interesse acadêmico por seu papel de relevância no processo democrático brasileiro. É ponto de referência na identificação das características fundamentais das campanhas políticas a nível local, regional ou nacional, o que denota o caráter fundamental que os veículos de mídia adquiriram no processo democrático do país (CERVI, 2011, p. 109).
Evidências apontam que existe um efeito de “aprendizagem” no eleitor pela
exposição às campanhas, superior até às informações obtidas nos noticiários
tradicionais (BORBA & DUTT-ROSS, 2021, p. 852). Tal aspecto didático da
propagando eleitoral não é uniforme, variando entre diferentes perfis, com relevância maior justamente entre aqueles menos informados politicamente, o que denotaria uma diminuição entre a lacuna informacional entre diferentes camadas da sociedade (FREEDMAN, FRANZ & GOLDSTEIN, 2004, apud BORBA & DUTT-ROSS, 2021, p. 855). Para Schmitt et al. (1999, p. 287) as pesquisas de opinião pública tendem a mostrar dois tipos de função do HGPE para o eleitorado: é uma das duas ou três fontes de informação política mais importantes para a população, além de ser fundamental para a decisão do voto.
Um debate importante na Ciência Política é sobre a relação mútua entre as
instituições e a cultura política. A ideia central é de que instituições eficientes, ao auxiliarem a promover uma sociedade civil vigorosa e participativa, acabam por contribuir para a legitimidade das autoridades públicas, gerando confiança institucional e interpessoal. O processo eleitoral pode se enquadrar nessa perspectiva, ao se estabelecer como instituição promotora de engajamento político dos cidadãos na medida em que estimula e motiva as pessoas a participarem pelo efeito de demonstração e de socialização política. Ou seja, as eleições funcionam como dispositivos pedagógicos positivos para os cidadãos, pois quanto mais experiências
com essa prática cívica, maior a probabilidade de internalizar valores democráticos eleitorais por meio do processo de incorporação e institucionalização de crenças que valorizem a mobilização e participação políticas. (BAQUERO & GONZALEZ, 2011, p. 370) O principal desafio para o fortalecimento democrático está em estimular a formação de atitudes e comportamentos políticos que valorizem as práticas e os ideais democráticos em um país como o Brasil onde a cultura política está longe de ser participativa e cívica, tendo em vista que avanços formais e procedimentais não têm sido suficientes para alcançar um ideal democrático participativo (BAQUERO & GONZALEZ, 2011, p. 373).
Por isso, as eleições presidenciais se caracterizariam em um momento importante do processo de socialização política, principalmente no contexto político brasileiro. O processo eleitoral afeta toda a população adulta, pois o nível de informação disponível aumenta, a política torna-se uma pauta central nos meios de comunicação, tanto pela propaganda dos partidos como pela cobertura da mídia. A informação disponível e os debates públicos, portanto, seriam um fator de socialização, afetando os níveis cognitivos, afetivos e avaliativos dos cidadãos a respeito não apenas dos candidatos, mas também do sistema político e do regime (BAQUERO & GONZALEZ, 2011, p. 377).

Com início na contestação do resultado do 2º turno das eleições pelo candidato Aécio Neves em 2014, os ataques ao processo eleitoral só ganharam força com Bolsonaro. Com claros ataques às instituições democráticas e desprezo pela oposição, o candidato da extrema direita mobiliza seus apoiadores através da lógica do confronto constante e da perene desconfiança da ordem estabelecida, mesmo à frente do governo federal (BARROS & ELEN, 2022). Suspeitamos que tais posturas, corrosivas à cultura democrática, possam ser observadas mesmo nas campanhas eleitorais de Bolsonaro para o HGPE, diferentemente das campanhas em eleições anteriores, quando o embate político era travado entre as forças políticas tradicionais. Portanto, nosso principal objetivo é analisar os conteúdos das campanhas publicitárias dos presidenciáveis de 2010, 2014, 2018 e 2022 e comparar tais análises, de modo a entender se houve mudança na propaganda eleitoral ao longo do tempo.


Bibliografia

BAQUERO, M.; GONZALEZ, R. S.. Eleições, estabilidade democrática e socialização política no Brasil: análise longitudinal da persistência de valores nas eleições presidenciais de 2002 a 2010. Opinião Pública, v. 17, n. 2, p. 369–399, nov. 2011.

BARROS, M. & ELEN, V. Todo modelo fascista é o mesmo: despreza a democracia e as instituições democráticas, afirmam especialistas. Saiba Mais, Rio Grande do Norte, 21 de setembro de 2022. Disponível em: https://saibamais.jor.br/2022/09/todo-modelo-fascista-e-o-mesmo-despreza-a-democracia-e-as-instituicoes-democraticas-afirmam-especialistas/. Acesso em: 15 de Janeiro de 2023.

BORBA, F. & DUTT-ROSS, S. Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral e a formação da opinião pública na eleição presidencial de 2018. Opinião Pública [online]. 2021, v. 27, n. 3 [Acessado 26 Outubro 2022], pp. 851-877. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1807-01912021273851>.

CERVI, E. U. O uso do HGPE como recurso partidário em eleições proporcionais no Brasil: um instrumento de análise de conteúdo. Opinião Pública [online]. 2011, v. 17, n. 1 [Acessado 26 Outubro 2022], pp. 106-136. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-62762011000100004>.