As notícias falsas foram criadas para beneficiar determinado agente político em detrimento de outros?

Inaiara De Lima Ferreira e Naiara Sandi de Almeida Alcantara

O termo “fake news” popularizou-se no cenário político brasileiro em 2018, especialmente em razão das eleições presidenciais. Qualquer um que teve acesso à internet, e principalmente às redes sociais, teve contato pelo menos uma vez com alguma dessas notícias falsas ou discussões sobre o tema. Foi nessa época que agências de fact-checking (ou checagem de fatos) como a Aos Fatos e Agência Lupa firmaram parceria oficial com o Facebook, uma das redes que se comprometeu a conscientizar os usuários acerca do tema. Também nesse período foi criado o Projeto Comprova, que reúne 24 veículos de comunicação em torno do objetivo comum de combate à desinformação e que virou um dos maiores portais do país nesse sentido. O método e valores dessas agências é bastante semelhante, conforme as descrições nos sites. Em geral, todas afirmam verificar a veracidade de dados e declarações atribuídas, mas nunca opiniões e previsões. Os sites se esforçam para abarcar a grande quantidade de conteúdos, que em geral são denunciados pelos próprios usuários nas redes sociais. Mas é possível, no entanto, que muitas das fake news veiculadas não passem por essas checagens. Isso acontece porque muitas delas estão em redes, grupos e perfis fechados, onde jornalistas e pesquisadores não chegam a ter acesso. Além disso, também há a questão da técnica, como bem apontada por Trasel (2019), pois enquanto a checagem de fatos precisa se guiar pelo código de ética do jornalismo, “os produtores de desinformação podem se aproveitar de recursos narrativos mais alinhados às fraquezas cognitivas dos seres humanos” (TRASEL, 2019).

É sabido que alguns candidatos, intencionalmente ou não, se beneficiam com a circulação desse tipo de notícia falsa. Isso porque várias delas têm como objetivo manchar a imagem de políticos, ou em outros casos, exaltar qualidades que eles não possuem. Esse tipo de situação não é exclusividade brasileira. Num estudo sobre disseminação de fake news nas eleições de 2016 dos Estados Unidos, Allcott e Gentzkow (2017) verificaram que houve muito mais compartilhamentos de fake news favorecendo o Donald Trump do que a candidata Hillary Clinton. E, de fato, Trump foi vencedor das eleições americanas naquele ano.

Tendo em vista o largo uso de fake news durante as eleições presidenciais e a breve revisão do estado da arte alinhavado acima, bem como de um banco de dados confeccionado a partir de uma coleta realizada nas páginas de checagem Aos fatos, Agência Lupa, e Projeto Comprova, buscamos responder às seguintes questões: (1) os presidenciáveis que participaram do 1º e 2º turno das eleições brasileiras de 2018 foram beneficiados com a disseminação de fake news? Quais temas mais beneficiaram cada presidenciável?

Para responder às questões propostas por esse post rodamos a análise de relação entre as variáveis “Tema” e “Beneficiário” do banco de dados criados a partir da coleta de postagens nos três sites de fact-checking aqui já citados. Ao fazer isso, os dados demonstraram que as maiores porcentagens eram sobre Jair Bolsonaro (então no PSL) e Fernando Haddad (PT), que também foram os únicos candidatos a concorrerem em ambos os turnos das eleições, por isso trabalhamos apenas com os dois.

Após a coleta de dados, nossa amostra constituiu-se por 202 checagens de fake news realizadas entre março e outubro de 2018[1], ignoradas as análises que apontavam conteúdos verdadeiros. Salienta-se que nem a seleção das páginas de checagem e nem a amostra de posts são representativos do universo total de fake news criados e divulgados durante o período eleitoral, todavia acredita-se que o material coletado é suficiente para apresentar um panorama da disseminação de fake news.

Num primeiro momento, as checagens foram classificadas em 15 temas, quais sejam: episódio da facada; apoio ao político/grupo; fraude nas eleições; pesquisa eleitoral; eleições (outros); declaração, posicionamento (político); crítica ao político/grupo; corrupção; sexualidade e gênero; teoria da conspiração; leis, atos e políticas públicas; falsa ligação; declaração, posicionamento (outro); denúncia de violência; outros. Após isso, foi criada a variável beneficiário a partir da análise do conteúdo das matérias. Para realizar essa atribuição, consideramos qual ou quais atores/grupos poderiam se beneficiar com a veiculação de determinada notícia falsa. Chegamos a um conjunto de 18 atores beneficiados, mas optamos por selecionar apenas os candidatos a presidência que participaram dos dois turnos das eleições. Então, geramos a tabela 1, abaixo, composta por um n = 71 posts, demonstrando a relação de temas e os presidenciáveis beneficiados.

Tabela 1 – Temas das fake news para Bolsonaro e Haddad

Fonte: autoras (2020), a partir das páginas de checagem.

Observando essa primeira tabela, verifica-se que Bolsonaro foi significativamente mais beneficiado pelas fake news checadas por essas agências (87,5%) do que Haddad (12,5%). Em relação aos temas, podemos inferir que as fake news que estatisticamente mais beneficiaram ambos os candidatos foram do tipo: “Apoio a partido/ político”, ou seja, as que continham falsas declarações de apoio à esses políticos ou a grupo ao qual pertenciam, mas Bolsonaro foi quantitativamente mais beneficiado (27,8%), do que Haddad (6,9%). Em segundo lugar para Bolsonaro está o tema: “Episódio da facada” (checagens relacionadas ao episódio em que Bolsonaro levou uma facada e/ou à Adélio Bispo, autor do crime) com 12,5% e para o Haddad foi “Pesquisa eleitoral” (falsas pesquisas eleitorais ou falsas informações sobre as pesquisas e institutos de pesquisa) 2,8%. Os dados demonstram que ambos os candidatos podem ter sido beneficiários do conteúdo de fake news, mas a quantidade de material visando o benefício do então candidato Bolsonaro são significativamente maiores.


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A partir da análise de conteúdo verificamos que as fake news são difíceis de combater, pois agencias de fact-checking trabalham com métodos éticos, diferente dos métodos dos criadores de notícias falsas. Ademais, ainda que a amostragem utilizada por esse post não seja representativa, o N é grande o suficiente para uma análise quantitativa (descritiva), e os resultados encontrados vão ao encontro do cenário internacional se considerarmos que o presidente Bolsonaro, assim como o presidente Donald Trump, teve uma alta quantidade de fake news que poderiam favorecê-lo, ademais ambos os presidenciáveis foram eleitos.


[1] O banco de dados utilizado nesse texto está disponível em: < https://github.com/NaiaraSandi1995/Banco-da-dados-.git >. A coleta de dados foi feita pela pesquisadora Inaiara De Lima Ferreira.

Referências:

AOS FATOS. Disponível em: https://aosfatos.org/. Último aceso em: 3 abr. 2020.

LUPA. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/. Último aceso em: 3 abr. 2020.

FACEBOOK. How are third-party fact-checkers selected on Facebook? Disponível em: https://www.facebook.com/help/1599660546745980?helpref=search&sr=3&query=fake>. Último aceso em: 3 abr. 2020.

PROJETO COMPROVA. Disponível em  https://projetocomprova.com.br/. Último aceso em: 3 abr. 2020.

TRASEL, Marcelo. A eficácia da checagem de fatos no combate à desinformação. Cadernos Adenauer, v. 19, n. 4, dez. 2018.

ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. Social Media and Fake News in the 2016 Election. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, p. 211-236, jun. 2017.