Uma análise dos comentários na fanpage do jornal Estado de São Paulo durante a cobertura eleitoral de 2018
A utilização de novas ferramentas tecnológicas na cobertura eleitoral e nos espaços de circulação de informação mobilizam novos ambientes para as conversações políticas, como é o caso das redes sociais online, que se diferem dos meios de comunicação convencionais por agregar uma pluralidade de vozes, bem como por permitir a circulação e o engajamento dos usuários contidos na plataforma. O compartilhamento da notícia na internet possibilita ao leitor uma reação perante o conteúdo, pois ele recebe e interage com aquilo que é publicado. Isto é, a audiência pode rebater o conteúdo por meio de comentários, direcionando novos significados para a informação.
Nesse sentido, tendo as eleições brasileiras de 2018 como objeto, este comentário se propõe a fazer uma análise dos comentários sobre a cobertura eleitoral registradas na fanpage do jornal Estado de São Paulo. A ideia é de que o diálogo fomentado pela publicação de notícias eleitorais na página do jornal pode nos oferecer pistas sobre os conteúdos do debate político online, bem como novas articulações da opinião pública. O interesse, portanto, está voltado para a interatividade entre leitores nos espaços dos comentários das notícias no Facebook.
O ano eleitoral de 2018 no Brasil foi definido como notoriamente atípico se comparado aos cenários anteriores, situação entendida como uma consequência do desenrolar dos fatos políticos que se alastraram desde 2013 até o ano das eleições presidenciais. Após a intensa repercussão midiática das manifestações de junho de 2013 e os escândalos de corrupção subsequentes, a participação política brasileira passou por uma nova mudança em sua história, onde “diferenças ideológicas dentro das próprias manifestações rapidamente começaram a transparecer, até o movimento implodir, rachando a massa de pessoas em dois rumos de militância com caminhos totalmente opostos” (BUGNAGO, CHAIA, 2015, p. 102).
Referente a esses acontecimentos, permite-se destacar que uma nova realidade veio a calhar. A novidade a que me refiro diz respeito à relação entre os novos usos dos meios de comunicação tradicionais e as redes sociais online. Isso porque dois cenários daí emergem: 1) a repercussão pública dada pela mídia tradicional às ações judiciárias e políticas; 2) o protagonismo dos perfis pessoais localizados em redes sociais na divulgação e expressão de opinião política. O primeiro item é evidenciado na crítica de Albuquerque (2018) ao denunciar que agentes não eleitos democraticamente passaram a assumir autoridade e influência suficientes para efetivar/legitimar certas ações políticas de impacto direto contra a democracia.
Silveira (2015) realizou um levantamento sobre o conteúdo compartilhado no auge das manifestações brasileiras e concluiu que boa parte se referia a postagens de jornais tradicionais, como a Folha de S. Paulo, por exemplo, revelando a influência que as empresas de comunicação continuavam a exercer dentro das redes. Nesse sentido, o papel da imprensa e aquele exercido pelas redes sociais assumiram, gradativamente, novas funções. Diferentemente do que assistíamos nas eleições anteriores do país, desponta-se uma cultura política digital, fortemente demarcada pela crise das instituições tradicionais, onde o Facebook tende a se tornar principal fonte de informação política dos agentes mobilizadores (ORTELLADO, 2017).
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É possível afirmar que a intensificação do uso das redes sociais online pode ser um fator importante nesse momento de eleições no Brasil, principalmente se levarmos em conta os seus desdobramentos. Os comentários de natureza política praticados dentro do ambiente online não se limitaram apenas a esse espaço específico, refletindo em outras esferas sociais, a exemplo das manifestações de rua. Abranches (2019) afirma que 2018 foi a primeira campanha efetivamente digital no país, onde as redes exerceram influência destacável nessas eleições. Cleto e Corrêa (2018) identificaram, através de uma entrevista feita pela Folha de São Paulo com um grupo de eleitores do candidato Jair Bolsonaro, que a ciberesfera formou um forte sentimento identitário, onde discursos alinhados e hegemônicos refletiam em comportamentos fortemente demarcados pelo desejo de eliminação do inimigo e adversário político.
Em acordo com as elaborações discutidas nesse texto, a fim de ilustrar como os cidadãos se manifestam através do engajamento de comentadores sobre política no Facebook, utiliza-se a metodologia elaborada pelo Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP) para analisar o conteúdo desses comentários. Para este trabalho em específico, optou-se por utilizar duas categorias encontradas no estudo de Massuchin, Carvalho e Mitozo (2016): progresso e radicalização. Onde o progresso significa que o comentador oferece conteúdo para agregar novos elementos à discussão. Já a radicalização diz respeito aos textos agressivos, com reações negativas relacionadas à postagem ou a outros comentários. Os dados a seguir são referentes a 83 comentários registrados no dia 23 de outubro de 2018, cinco dias antes das eleições de segundo turno no Brasil. O gráfico a seguir mostra o resultado do número de porcentagem dos comentários que apresentaram progresso juntamente da porcentagem de radicalização.
Gráfico 1 – Progresso x radicalização
Conforme se observou, do total dessa amostragem, apenas 15% dos comentários eram referentes à categoria “progresso”, enquanto 86% se enquadravam como radicais. O resultado vai de encontro com aquilo que Mendonça, Sampaio e Barros (2016) apontam ao observar que as conversas informais entre os sujeitos dentro do espaço da internet são palco para superficialidades e demonstração de comportamentos agressivos, critério bastante distante da normativa deliberacionista. Situação que pesa, principalmente, se levarmos em conta que os indivíduos envolvidos nesse processo se posicionam de maneira bastante ofensiva ao se deparar com uma opinião oposta. Isso porque destacadamente em 2018, no Brasil, houve traços de uma “campanha polarizada e radicalizada, com alta carga emocional, que levou a uma eleição disruptiva (ABRANCHES, 2019, p. 14). Diante do exposto, eleva-se a necessidade de pensar esse fenômeno sob perspectiva mais ampla. É válido ressaltar que a discussão não permite classificar as conversas informais como irracionalidade, mas sim reforça a importância em estudar as identificações coletivas e entendê-las através de suas formas e mobilizações.
Referência bibliográficas:
ABRANCHES, Sérgio. Polarização radicalizada e ruptura eleitoral. In: Democracia em risco?: 22 ensaios sobre o Brasil hoje. São Paulo: Companhia das Letras, p. 7-27, 2019.
ALBUQUERQUE, A. A Comunicação Política depois do Golpe: notas para uma agenda de pesquisa. Compolítica, v. 2, n. 8, 2018, p. 171-206. Disponível em: <https://doi.org/https:// doi.org/10.21878/compolitica.2018.8.2.193>. Acesso em: 12/08/19.
BRUGNAGO, Fabrício; CHAIA, Vera. A nova polarização política nas eleições de 2014: radicalização ideológica da direita no mundo contemporâneo do Facebook. Aurora: revista de arte, mídia e política, São Paulo, v. 7, n. 21, p. 99-129, jan. 2015.
CLETO, Murilo Prado; CORRÊA, Murilo Duarte Costa. A hipótese bolsonarista: as trincheiras e as linhas. Lugar Comum, Rio de Janeiro, n. 54, p. 266-290, jul. 2019.
MASSUCHIN, Michele Goulart; CARVALHO, Fernanda Cavassana de; MITOZO, Isabele Batista. Eleições, radicalização e redes sociais: os comentários no Facebook durante a disputa presidencial em 2014. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 40, 2016, Caxambu. Anais. Caxambu: Anpocs, p. 1-28, 2016.
ORTELLADO, Pablo. Los brasileños leen Facebook: Izquierdas y cultura política digital. Nueva Sociedad: democracia y política en América Latina, Buenos Aires, n. 269, p. 127-136, jun. 2017.