a cobertura jornalística da Folha de S. Paulo.

Rodrigo Reis.

(Post de 24/03/2017 migrado do antigo site do CPOP)

As negociações entre o Governo Lula e a Fifa para trazer a Copa do Mundo para o Brasil em 2014 é apenas um dos aspectos políticos do Mundial. Portanto, a cobertura jornalística do megaevento não se restringe a editoria de Esportes, este estudo buscou identificar quantitativamente a presença de questões políticas nos leads das notícias sobre o Mundial.

A Folha de S. Paulo foi o veículo escolhido para pesquisa por estar acoplado à rotina produtiva da agência de notícias Folhapress. A agência, conforme Oliveira (2011) distribui conteúdo jornalístico para vários jornais regionais do Brasil, assim a oferta de temas passa pelo olhar e crivo desse grupo de mídia. Além disso, a Folha de S. Paulo segundo dados de 2015 da Associação Nacional de Jornais despontava nas tiragens em relação a outros veículos impressos de circulação nacional.

O período analisado corresponde aos meses de maio a julho de 2014, porque engloba o contexto pré-evento, início dos jogos e pós-torneio. O material coletado para investigação se refere apenas às notícias com chamada na capa dos veículos. Essa opção se justifica porque as chamadas da primeira página do veículo, além de indicar agendamento conforme desenvolve McCombs (2009), permite identificar para quais editorias e enfoques o Mundial será debatido.

Com base na leitura prévia do jornal foram criadas seis categorias. Protestos, Gastos da Copa, Organização do Evento, Questões Políticas, Campeonato e Amenidades. O objetivo é perceber do universo total do material noticioso sobre a Copa, qual parcela as questões políticas assumiram na cobertura.

O levantamento constata 427 chamadas de capa sobre a Copa do Mundo de 2014 na Folha de S. Paulo durante maio, junho e julho de 2014. Nesses três meses foram veiculadas 92 edições, nas quais em apenas 11 não há referências sobre o megaevento na capa. O acúmulo de informações sobre o tema central – Copa 2014 – configura agendamento, pois o assunto está colocado pelo jornal como pauta constante, acompanhando praticamente a própria periodicidade do veículo.

A Copa foi manchete 13 vezes em maio, 14 em junho e 14 em julho, totalizando 41 ocorrências de títulos chamativos no alto da página. Quanto às categorias temáticas, a mais reverenciada foi Campeonato e a menos citada Gastos conforme tabela abaixo:

Com 36 ocorrências, a Copa virou pauta política por vários ângulos. As ocasiões em que a presidente Dilma discursou sobre a Copa foram noticiadas com ênfase pela Folha em três momentos. Às vésperas da abertura dos jogos, quando ela foi à TV e à rádio fazer pronunciamento, conclamando o povo a torcer pelo Brasil e a deixar de lado o pessimismo; e um mês depois, após a derrota do time brasileiro, defendendo uma renovação do futebol. E por último, no final do julho, a declaração da presidente a respeito do pessimismo pré-Copa, “que estaria de volta e afetando a economia”, durante uma sabatina virou manchete no jornal. Vários movimentos e depoimentos da presidente viraram manchetes e destaques de capa, mesmo quando ela não falava do Mundial diretamente como é possível perceber nas chamadas “Dilma corrige tabela do IR e aumenta Bolsa Família” (edição de 01/05/2014) e “Dilma pretende incluir sem-teto no Minha Casa” (edição de 08/06/2014).

A relação de Dilma e o ex-presidente Lula ganhou a capa do jornal durante a cobertura da Copa, quando em um jantar com jornalistas esportivos ela foi questionada sobre o possível relacionamento tenso com o ex-presidente Lula.  A matéria “Para Lula, cobrar metrô em estádio é ‘babaquice’” (edição de 17/05/14) deu destaque a um comentário do ex-presidente Lula sobre a ideia de o metrô adentrar no estádio do metrô, o qual ele classificou como desnecessário, considerando ser condição de país de Primeiro Mundo viabilizar a entrada do torcedor, por metrô, direto a arena dos jogos.

Nesse cenário, foi perceptível não nas manchetes em si, mas nos leads de capa referências às eleições presidenciais e menções ao segundo colocado na disputa eleitoral, o senador Aécio Neves. Por fim, uma questão diplomática envolvendo Israel e o governo brasileiro: quando este classificou como “desproporcional” a ofensiva israelense contra os palestinos, Israel respondeu caracterizando o Brasil como um país irrelevante e ironizando que desproporcional foi perder de 7 a 1, em alusão à derrota do país para a Alemanha.

Mesmo quando a noticiabilidade estava centrada na parte esportiva do Mundial, como no caso da cerimônia de abertura da Copa e do primeiro jogo da seleção brasileira, a Folha não conseguiu desvincular de suas manchetes as questões políticas. O primeiro jogo da Seleção Brasileira foi noticiado, no mesmo título, com a hostilidade da presidente Dilma, embora internamente os assuntos tenham sido tratados em páginas diferentes. O episódio das vaias na abertura do torneio tornou-se um tópico bastante explorado pelo jornal e utilizado para relacionar a insatisfação e baixa popularidade de Dilma Rousseff. Editorias, reportagens, notícias e articulistas da Folha fizeram esse episódio configurar a primeira página do veículo até o final do torneio.

Por fim, é importante compreender que as questões políticas permeiam toda a cobertura da Copa, mas somente nas ocasiões quantificadas (36 ocorrências) e citadas anteriormente foram o gancho principal das matérias, ofuscando a competição esportiva.

Referências

HERSCOVITZ, Heloísa. Análise de Conteúdo em Jornalismo. In: LAGO, Cláudia; BENETTI, Marcia. Metodologia da Pesquisa em Jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007.

MCCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda – A mídia e a opinião pública. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

OLIVEIRA, Hebe Maria Gonçalves de. A notícia exclusiva na lógica de distribuição dos conglomerados de mídia brasileira: Estudo das rotinas nas agências Estado, Folhapress e O Globo. Tese. Unisinos, 2010.