Em 2015, se alguém perguntasse sobre o vencedor das eleições presidenciais de 2018, poucos imaginariam que seria Jair Bolsonaro, um deputado do baixo clero com pouca relevância no debate político nacional. No entanto, Bolsonaro expressou o desejo de concorrer ao cargo máximo da República e, para alcançar seu objetivo, empenhou-se em uma campanha permanente em suas redes sociais, ajustando o conteúdo de suas publicações à lógica algorítmica das plataformas digitais. Essa lógica privilegia conteúdos com alta carga afetiva e que geram muitas interações entre os usuários (ALVES DOS SANTOS, 2019). 

Bolsonaro adotou um estilo troll de comunicação, com mensagens ambivalentes e atos de transgressão que obedeciam a uma estética do espetáculo e apresentavam elementos humorísticos (COLEMAN, 2012; NAGLE, 2017; PHILLIPS, 2015; PHILLIPS; MILNER, 2017). Essa estratégia de comunicação política contribuiu para o aumento de sua visibilidade e para a conquista de um eleitorado jovem que o apelidou de “mito”. Mesmo após sua vitória eleitoral em 2018, Bolsonaro continuou a utilizar a trollagem como uma estratégia de comunicação política.

Foram analisadas 22 trollagens (figura 1) performadas durante o mandato presidencial de Bolsonaro, a partir do método sociocognitivo da análise do discurso de Van Dijk. Buscou-se identificar estruturas discursivas que se repetissem, as mensagens ideológicas presentes e a forma como se relacionam com as medidas adotadas pelo governo. Além disso, avaliou-se os sentidos criados nesses discursos, como eles dialogam com as ações de governo e os possíveis efeitos performativos dessas falas. A linguagem, quando repetida, pode transformar ou produzir uma situação, e a performatividade, através da linguagem, é transposta como um ritual capaz de naturalizar ideias, manter e impor normas (BUTLER, 2009).

figura1. Fonte: o autor (2022).

Durante a análise, constatou-se que Bolsonaro não alterou seu estilo de linguagem, provavelmente por ser uma maneira de se conectar com sua base eleitoral. O objetivo seria criar a imagem de um homem simples, do povo, e o que está em jogo é sua autenticidade, já que os bolsonaristas acreditam que Bolsonaro é autêntico devido à sua forma de falar e agir. Segundo Rocha e Solano (2020), a violência retórica de Bolsonaro é vista como autenticidade, um valor altamente desejável em um ambiente político considerado corrupto e mentiroso. Além disso, Bolsonaro adota o arquétipo do bobo da corte em seus discursos. É importante compreender isso, pois, como afirma Capelotti (2022), a negociação do que é engraçado ou não depende do papel que quem faz a piada assume. Em outras palavras, em um ambiente rodeado por apoiadores, sua fala pode ser vista como uma piada ou brincadeira.

Quanto ao conteúdo dos discursos, eles podem ser divididos em três categorias: racismo, virilidade e pandemia. Em todos os casos, foram utilizados estereótipos para ativar modelos mentais específicos nos receptores dos discursos de Bolsonaro. Em relação às duas primeiras temáticas, o uso de humor pejorativo é empregado para manter arranjos sociais que marginalizam minorias, como observado por Moreira (2020). Além disso, o humor na trollagem também é uma válvula de escape para a propagação de discursos de ódio por parte de uma parcela da população brasileira ressentida por sua perda de privilégios. No contexto da pandemia, os estereótipos são usados como recurso retórico para justificar o negacionismo de Bolsonaro.

O que chama a atenção nos três contextos analisados é que a trollagem não se limita à prática discursiva, sendo materializada na prática política estatal. Isso sugere que as trollagens de Bolsonaro foram utilizadas como parte de uma estratégia de comunicação para manipular a opinião pública e criar um cenário favorável às medidas ultraneoliberais e ultraconservadoras de seu governo. Além disso, as trollagens podem ter efeitos performativos, influenciando o comportamento de parte da sociedade e tornando as pessoas mais coniventes com discursos de ódio, bem como inspirando a violência contra grupos minoritários.

Por fim, a trollagem é uma transgressão às regras do jogo democrático. Embora o político que pratica a trollagem possa ser o emissor original da mensagem, a trollagem acaba sendo repercutida tanto por seus apoiadores quanto pela mídia, seja na forma de memes ou reportagens, o que dificulta o trabalho da justiça na identificação do responsável pela veiculação desse tipo de material. Isso permite que a trollagem continue a circular nas redes sociais, sendo uma forma de campanha negativa não oficial.Portanto, é importante realizar pesquisas futuras que enfoquem a trollagem como uma estratégia de comunicação eleitoral, buscando compreender de forma ampla os efeitos e a eficácia dessa tática.

REFERÊNCIAS:

ALVES DOS SANTOS, M. Desarranjo da visibilidade, desordem informacional e polarização no Brasil entre 2013 e 2018. 2019. 360 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019.

BUTLER, Judith. Lenguaje, poder e identidad. Madrid: Síntesis, 2009.

CAPELOTTI, João Paulo. O humor e os limites da liberdade de expressão: teoria e jurisprudência. – São Paulo: Editora Dialética, 202

COLEMAN, G. Phreaks, hackers, and trolls: the politics of transgression and spectacle. In: MANDIBERG, M. The social media reader. New York: NYU Press, 2012.

MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2020.

NAGLE, Angela (2017). Kill All Normies: Online Culture Wars from 4chan and Tumblr to Trump and The Alt-Right. Zero Books.

PHILLIPS, W. This is why I can’t have nice things. Cambridge: MIT Press, 2015.

PHILLIPS, W.; MILNER, R. The ambivalent internet. Cambridge: Polity Press, 2017

HA, Camila; SOLANO, Esther. Bolsonarismo em crise?. Frie