Dados sobre a ausência da variável “postura acima da briga” nos programas de Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL)

Rafaela Mazurechen Sinderski e Andressa Butture Kniess

Sabendo que é por meio das campanhas eleitorais que o público adquire conhecimentos sobre os candidatos, suas capacidades e seus planos para o governo (BORBA, 2015) e que o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) tornou-se uma fonte importante para tais informações no sistema político brasileiro (LOURENÇO, 2009; DIAS, 2013), esta postagem apresenta dados que permitem analisar como os presidenciáveis Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) utilizaram estratégias de campanha negativa – caracterizada como uma ação estratégica que visa expor defeitos de adversários (MAIA E ALVES, 2017) – durante o segundo turno das eleições de 2018. O texto dá continuidade a um conteúdo já publicado neste site, que expõe os números relacionados ao uso do recurso no primeiro turno do pleito presidencial.

Assim como no texto anterior, as variáveis consideradas correspondem a: (1) candidato a quem pertence o segmento de HGPE; (2) apelo utilizado pelo orador, tendo sido (a) pragmático, quando havia proposição de política pública, (b) ideológico, quando estava baseado em preceitos e dogmas ideológicos, (c) político, quando se restringia a defender um partido ou grupo político, (d) emocional, quando apelava para aspectos simbólicos e para a emoção do eleitor, ou (e) documental, quando havia predominância do argumento de autoridade; e, enfim, (3) variável “postura acima da briga”, que indica se o segmento foi ou não usado para ataque ou defesa contra adversários – ou seja, se houve ou não o uso de campanha negativa. O livro de códigos e a categorização dos programas eleitorais foram feitos pelos membros do grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP).

A tabela 1 mostra a frequência e os resíduos padronizados (RP) para a relação entre “Candidato” e “Postura acima da briga”. Também apresenta o teste estatístico qui-quadrado, cujo valor (0,866), acima do limite crítico de 0,05, aponta que não há associação significativa entre as variáveis. Olhando para os valores dos resíduos – sabendo que eles permitem identificar a diferença entre a presença observada e a esperada de determinada característica (CERVI, 2014) –, encontra-se uma pequena diferença em comparação ao primeiro turno: enquanto, para o segundo, os números não são significativos, mostrando que ambos os presidenciáveis atacaram e defenderam com uma frequência dentro da esperada, Fernando Haddad evitou se envolver na “briga” durante a primeira parte do pleito, apresentando um resíduo negativo de -2,1.

Tabela 1 – Cruzamento entre as variáveis “Candidato” e “Postura acima da briga”

Fonte: CPOP (2020).

Na tabela 2, o cruzamento é entre “Orador dominante” e “Postura acima da briga”. Dessa vez, o nível de significância do qui-quadrado está abaixo do limite crítico, apontando que há associação estatisticamente significativa entre as variáveis. O V de Crámer, que indica a magnitude do efeito que uma variável possui sobre outra (CERVI, 2014), mostra que a associação é moderada, surgindo em 37% dos casos.

Os únicos valores de RP que são significativos para esse cruzamento estão ligados ao orador “candidato”. Significa que, nos segmentos em que o orador era Bolsonaro ou Haddad, houve maior presença de postura acima da briga (3,42). O resíduo padronizado para a falta dessa característica é negativo (-3,79). Ou seja, quando ocorria campanha negativa, a tendência era de que os oradores não fossem os próprios candidatos.

Tabela 2 – Cruzamento entre as variáveis “Orador dominante” e “Postura acima da briga”

Fonte: CPOP (2020).

Por fim, a tabela 3 relaciona “apelo” e “postura acima da briga”, variáveis que possuem associação estatisticamente significativa, porém baixa, surgindo em apenas 19% das situações, como mostra o V de Crámer.

Tabela 3 – Cruzamento entre as variáveis “Apelo” e “Postura acima da briga”

Fonte: CPOP (2020).

Enquanto, no primeiro turno, havia uma relação significativa entre o apelo “político” e a falta de postura acima da briga, nenhum dos apelos utilizados nos programas do segundo turno apresentaram frequências de ataques ou defesas acima ou abaixo do que era esperado. Isso mostra que os segmentos que continham campanha negativa foram semelhantes aos demais. As frequências apresentadas na Tabela 3 mostram que 54% dos segmentos com ausência de “postura acima da briga” mobilizavam o “apelo” emocional, mas o mesmo ocorre com os demais – 57,9% dos segmentos com presença de “postura acima da briga” também mobilizaram o “apelo” emocional. As diferenças ocorrem nas demais categorias de “apelo”. No caso dos segmentos com ausência de “postura acima da briga”, o segundo “apelo” mais utilizado foi o ideológico, seguido do político. E no caso dos segmentos com presença de “postura acima da briga”, o segundo “apelo” mais utilizado foi o pragmático, seguido do ideológico.

Em resumo, os resultados mostram que os dois candidatos, durante o segundo turno, mobilizaram os recursos de campanha negativa com uma frequência muito semelhante, delegaram a outros oradores a expressão dos ataques e, para atacar ou não, mobilizaram mais o apelo “emocional”.


Leia também:

Atacar ou não? O comportamento dos presidenciáveis no HGPE de 2018

Campanha presidencial: as estratégias retóricas no HGPE de 2018


Referências

BORBA, F. Propaganda negativa nas eleições presidenciais brasileiras. Opinião Pública, v. 21, n. 2, p. 268-295, 2015.

CERVI, E. U. Análise de Dados Categóricos em Ciência Política. PPGCP – UFPR, Curitiba, 2014.

DIAS, M. R. Nas brumas do HGPE: a imagem partidária nas campanhas presidenciais brasileiras (1989 a 2010). Opinião Pública, v. 19, n. 1, p. 198-219, 2013.

LOURENÇO, L. C. Propaganda Negativa: ataque versus votos nas eleições presidenciais de 2002. Opinião Pública, v. 15, n. 1, p. 133-158, 2009.

MAIA, L. O.; ALVES, M. A agenda da propaganda negativa na campanha de 2014. Teoria & Sociedade, n. 25, p. 1-26, 2017.