Os temas que dominaram a discussão sobre o assunto na página de Facebook

Rafaela Mazurechen Sinderski

Como um assunto de interesse público, a redução da maioridade penal tem sido discutida há décadas por membros do Congresso Nacional e por integrantes da sociedade de maneira geral. De 1989 até o primeiro trimestre de 2019, foram apresentadas, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, cerca de 75 Propostas de Emenda à Constituição (PECs) com o objetivo de alterar o limite de imputabilidade. Em 2015, uma delas, a 171/1993, foi aprovada no primeiro turno da Câmara, passando para a apreciação do Senado e aproximando o Brasil da mudança de fato. Para mais de 80% da população, reduzir a maioridade penal é uma medida desejada (DATAFOLHA 2004; 2006; 2013; 2015). Em 2018, ela fez parte da proposta de governo do candidato à Presidência – e vencedor da eleição – Jair Bolsonaro (PSL). Sendo tema presente no cenário político e articulando questões de importância coletiva, como violência, educação e desigualdade social (ABRAMOVAY ET AL, 2002; ALVES, 2018), é compreensível que a redução da maioridade penaç seja substrato para conversações desenroladas nas redes sociais online.

As conversações políticas cotidianas são definidas como interações que ocorrem em contextos comunicativos rotineiros, estabelecidas em espaços informais, que permitem que seus participantes elaborem entendimentos sobre temas de interesse público, troquem argumentos entre si e, assim, compreendam melhor suas realidades e problemas (MANSBRIDGE, 1999; CONOVER E SEARING, 2005; KIM E KIM, 2008; MARQUES E MAIA, 2010; MARQUES E MARTINO, 2016). Por se passarem em ambientes não formais, elas podem surgir em plataformas online como o Facebook. O site permite a interação entre usuários por meio de curtidas, comentários e compartilhamentos de publicações.

Diante disso, este texto apresenta uma análise das conversações políticas online relacionadas à redução da maioridade penal na página de Facebook do Quebrando o Tabu (QT). A fanpage possui mais de 11,3 milhões de seguidores e trata da redução da maioridade penal assumindo um posicionamento mais progressista. A tônica geral de seus posts defende que “redução não é a solução”. No total, foram analisados 42.135 comentários feitos pelos internautas, retirados de 58 postagens da página sobre o tema, publicadas entre 2015 e 2017 – o Quebrando o Tabu não falou sobre o assunto em 2018. O corpus foi estudado a partir de uma análise de conteúdo automatizada (CERVI, 2018; 2019), auxiliada pelo software Iramuteq, que possibilita a compreensão das perspectivas temáticas a partir das quais a redução da maioridade penal é tratada em conversações políticas na internet.

Os comentários foram submetidos à classificação do conteúdo pelo método de Reinert (1987; 1990), também chamado de Classificação Hierárquica Descendente (CHD). A CHD permite uma análise lexical que oferece contextos caracterizados por vocabulários específicos de grupos formados a partir do material analisado (CAMARGO E JUSTO, 2013). O vocabulário encontrado durante essa fase é estatisticamente relevante para cada classe formada e ajuda a categorizar os comentários de acordo com a presença dos termos elencados.

Figura 1 – Dendrograma formado pela CHD: as classes temáticas e seus termos estatisticamente relevantes

Fonte: autora (2020).

Nesta pesquisa, cinco grupos surgiram durante a análise automatizada[1], como mostra a figura 1, acima: um que tratou do assunto considerando sua relação com a educação, articulando termos como “investir”, “ensino”, “sistema” e “escola”; um chamado de “moral conservador”, que falou sobre o cenário político brasileiro e sobre episódios a ele relacionados, tendo como palavras estatisticamente relevantes “Bolsonaro”, “STF”, “Lula”, Dilma” e “impeachment”; um que abordou a redução com tom “punitivista”, falando sobre “crime”, “responder”, “hediondo” e “pagar”; um que discutiu o tema da mudança da idade penal sob a lente da desigualdade social e considerou o papel da família nessa conjuntura, com os termos “roubar”, “pobre”, “mãe” e “favela”; e, por fim, uma discussão técnico-carcerária, que articulou informações sobre o sistema prisional e discutiu pareceres e posicionamentos ligados ao médico Dráuzio Varella, que já se colocou contra a redução e foi fonte recorrente do QT em postagens sobre o limite etário de imputabilidade – a classe apresentou termos como “Dráuzio”, “facção”, “medo” e “cadeia”.


Leia também:

Conversações sobre maioridade penal na fanpage do Senado Federal

A redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados


O gráfico 1, logo abaixo, mostra o resultado da classificação dos comentários em categorias temáticas. Vê-se que a classe de “redução punitivista” surgiu em 16.070 comentários, o que corresponde a 38,1% do corpus. A segunda categoria que mais apareceu nos textos estudados foi a “técnico-carcerária”, com 14.387 comentários (34,1%). A “moral conservadora” foi a menos abordada pelos comentadores e ficou restrita a 4.655 textos (11%). Importante dizer que um mesmo comentário pôde ser enquadrado em mais de uma classe.

Gráfico 1 – Número de comentários por categoria

Fonte: autora (2020).

O gráfico 1 também traz o número de comentários classificados por ano. É claro, olhando para as barras, que 2015 foi o período com maior número de comentários categorizados tematicamente. Na página, houve mais publicações sobre a redução (47) e o público esteve mais engajado nas conversações sobre o tema durante essa época: 2015 apresentou uma média de 468 comentários classificados por postagem, enquanto 2016 teve 365,4 e 2017 teve apenas 326.

O resultado relacionado à categoria “técnico-carcerária” não surpreende, já que, como foi dito, o QT teve o dr. Dráuzio Varella como sua principal fonte para tratar sobre a redução da maioridade penal. Frequentemente, o médico mencionou a superlotação do sistema carcerário brasileiro para se colocar contra a medida de diminuição. O que chama mais atenção nos dados é que a perspectiva de “redução punitivista” apareceu mais nos discursos dos comentadores do que as classes “social” – presente em 13.056 (30,9%) comentários – e “educacional” – 9.811 (23,2%) –, que se aproximam mais da forma com que a fanpage trata da redução. Isso não significa que todos os internautas que utilizaram essa temática defenderam a medida, mas que discutiram sobre a proposta de alteração da maioridade penal abordando a possibilidade de punições mais severas diante de atos infracionais, como neste exemplo de 31 de março de 2015: “Eu penso que quem tem capacidade de cometer um crime tem que ter capacidade de pagar por ele… independente da idade…” [sic]. Pode-se concluir, assim, que houve certa dissonância entre os posicionamentos da página e aqueles que foram sustentados pelos comentadores.


[1] Este texto apresenta parte dos resultados encontrados na dissertação da autora. Então, é importante esclarecer que as categorias temáticas foram formadas a partir da análise automatizada de um corpus mais amplo, que continha, também, comentários retirados das fanpages do Movimento Brasil Livre e do Senado Federal.

Referências

ABRAMOVAY, M. et al. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas. Brasília: UNESCO, BID, 2002.

ALVES, D. C. Mídia e redução da maioridade penal: as representações sociais sobre o adolescente em conflito com a lei no telejornalismo da Rede Record. 2018. 233 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Comunicação) – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade Estadual de São Paulo, Bauru, 2018.

CERVI, E. U. Análise de dados categóricos em Ciência Política. Curitiba: CPOP, 2014.

CERVI, E. U. Análise de conteúdo automatizada para conversações em redes sociais: uma proposta metodológica. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 42, 2018, Caxambu. Anais do 42º Encontro Anual da Anpocs. Caxambu: Anpocs, 2018.

CERVI, E. U. Análise de Conteúdo aplicada a Redes Sociais Online. In: CERVI, E. U. Manual de Métodos Quantitativos para iniciantes em Ciência Política. v. 2. Curitiba: CPOP, 2019. p. 101-128.

CONOVER, P.; SEARING, D. Studying ‘Everyday Political Talk’ in the Deliberative System. Acta Politica, v. 40, p. 269-283, 2005.

DATAFOLHA. 84% votariam a favor da redução da maioridade penal. São Paulo, 2004. Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/1227559-84-votariam-a-favor-da-reducao-da-maioridade-penal.shtml>. Acesso em: 10 jul. 2019.

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DATAFOLHA. 93% dos paulistanos defendem redução da maioridade penal. São Paulo, 2013. Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2013/04/1264396-93-defendem-reducao-da-maioridade-penal.shtml>. Acesso em: 10 jul. 2019.

DATAFOLHA. 87% aprovam redução da maioridade. São Paulo, 2015. Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2015/06/1646200-87-aprovam-reducao-da-maioridade.shtml>. Acesso em: 10 jul. 2019.

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MARQUES, A. C. S.; MARTINO, L. M. S. A politização da conversação cotidiana e suas relações com processos deliberativos. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA, 10, 2016, Belo Horizonte. Anais do 10º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política. Belo Horizonte: ABCP, 2016.