Nos programas eleitorais, o tema foi tratado por apenas quatro candidatos à Presidência

Sandra Nodari

Treze candidatos disputaram as eleições presidenciais de 2018 no Brasil. Destes, havia duas mulheres: Marina Silva (REDE) e Vera Lúcia (PSTU) que representaram 15,4% das candidaturas. Mas mesmo entre as duas, o assunto “política pública para mulheres” não ficou entre o primeiro tema mais abordado por suas campanhas nos programas eleitorais da televisão brasileira. No Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), apenas três candidatos – Fernando Haddad (PT), Jair Bolsonaro (PSL) e Geraldo Alckmin (PSDB) – e uma candidata – Marina Silva – abordaram a temática.

Céli Regina Jardim Pinto afirmava, em 1994, ser inegável que a partir dos anos 1980 houve um avanço considerável na visibilidade das mulheres no campo da política, mas a autora já previa que havia ainda muito a se fazer. “Entretanto, nenhum destes ganhos parece ter sido forte o suficiente para alargar as bases do movimento ou propiciar a incorporação das questões levantadas pelo movimento na agenda política” (PINTO, 1994, p. 263). Se em 1994 era esse o cenário, como isso se refletiu no horário de propaganda eleitoral gratuita televisiva de 2018?

Marina Silva, dos treze candidatos, foi quem mais dedicou seu tempo de televisão às propostas de políticas públicas para mulheres: 18,2% do tempo total. Jair Bolsonaro foi o segundo a usar parte de seu programa de TV ao tema: 8,8%, seguido de Fernando Haddad com 4,3% e Geraldo Alckmin com 2,5%. Vera Lúcia, bem como os outros oito candidatos, não tratou de questões ligadas a políticas públicas para mulheres durante o pleito no HGPE. A candidata do PSTU teve economia e emprego como tema mais abordado, ocupando 43,3% do seu tempo. Essas informações são ilustradas pelo gráfico 1, abaixo.

Gráfico 1 – Tempo dedicado a políticas para mulheres no HGPE

Fonte: CPOP (2020).

Mesmo entre as duas mulheres candidatas, apenas uma destinou seus minutos televisivos a questões de gênero. Segundo Clara Araújo (2012, p. 156), nos processos eleitorais, as candidatas são sistematicamente incluídas como menores em comparação aos homens candidatos. “Há, aqui, um caminho profícuo para pensar ausência/presença das mulheres e sua agência para exercer a soberania, uma vez que, numa perspectiva mais pragmática de horizontes políticos de curto prazo, a ideia de processo nos possibilita construir estratégias de ação e de intervenção na política tal como ela é” (ARAÚJO, 2012, p. 151).


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Nove dos treze candidatos tiveram a própria imagem como o tema mais apresentado na propaganda eleitoral da TV: João Goulart Filho (PPL) que usou 75% do seu tempo para falar de si mesmo; Henrique Meirelles (MDB), 54,9%; João Amoêdo (NOVO), 44,4%; Ciro Gomes (PDT) usou 37,8%; Álvaro Dias (PODE), 35,9%; Marina Silva com 27,3%; Geraldo Alckmin, 25,4%; Bolsonaro com 21,4%; e Haddad com 18,6%. Os assuntos mais abordados nos programas de TV pelos outros três candidatos foram: Cabo Daciolo (PATRI) destinando 63% para falar do combate à corrupção, Eymael dedicando 37% para tratar de políticas públicas e Guilherme Boulos (PSOL) que usou 24,1% como apelo ao engajamento do eleitor à sua campanha. Os dados podem ser conferidos no gráfico 2.

Gráfico 2 – Tempo dedicado à própria imagem pelo candidato

Fonte: CPOP (2020).

Para Eymael (29,6%), Daciolo (25,9%) e Boulos (24,1%), o segundo assunto mais tratado na propaganda eleitoral foi a sua própria imagem. O segundo assunto mais tratado nos programas de TV de Alckmin (20,9%), Bolsonaro (17,6%) e Haddad (18,6%) foi a imagem do candidato adversário. No caso de Marina (21,2%) e Álvaro (17,9%), o segundo tema foi “políticas públicas”.

Os outros candidatos tiveram como o segundo assunto mais abordado os seguintes temas: Ciro (13,3%) tratando de economia, Meirelles (12,7%) mostrou imagens externas da própria campanha, Vera Lúcia (13,3%) mostrou imagens do país, João Amoêdo (18,5%) fez apelos ao engajamento do eleitor e João Goulart (17,9%) apostou na pedagogia do voto.

Outro ponto interessante é que apenas Boulos (6,9%) e Bolsonaro (0,6%) trataram de políticas para minorias (LGBTQ+, racial, necessidades especiais, indígenas).  Da mesma forma, temas ligados ao bem-estar social, como bolsas, cotas etc., foram tratados apenas por Boulos (3,4%), Haddad (1,1%) e Alckmin (1%). Clara Araújo (2012, p. 157) define que, tanto para as mulheres, como para outros grupos sociais, a exclusão e a inclusão são dois movimentos simultâneos “(…) a exclusão como ação intencional que precede o desenho da democracia e inclusão como ação coletiva em torno da qual se demanda e se aspira participação são dois movimentos concomitantes”.

Para a autora, o interesse da agência das mulheres e dos grupos minoritários devem passar “a ser bases importantes e de demanda e de estudos. Primeiro, porque há a crença de que política importa. Segundo, porque se promove um link entre uma cidadania ativa e participatória e demandas por direitos e igualdade política e civil (ARAÚJO, 2012, p. 157).

Ter pouco tempo de TV, é claro, justifica os candidatos usarem seu tempo para mostrar quem são, sua própria imagem, mas para os que tinham mais tempo, não tratar das políticas públicas para mulheres e minorias pode ser um sintoma do momento político pelo qual passa o país.

Referências

ARAÚJO, Clara. Cidadania democrática e inserção política das mulheres. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 9, p. 147-168, set./dez. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcpol/n9/06.pdf

PINTO, Céli Regina Jardim. Mulher e Política no Brasil. Os impasses do feminismo, enquanto movimento social, face às regras do jogo da democracia representativa. Revista de Estudos Feministas, ano 2, 1994. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16109/14652