Dados sobre o posicionamento da população de sete países latino-americanos entre 2012 e 2018

Rafaela M. Sinderski e Naiara S. de Almeida Alcântara

Na América Latina, aborto é um tema sensível que envolve, claro, questões jurídicas, mas também é marcado por elementos de ordem moral e religiosa (GALLI, 2020). Não é à toa, então, que a região apresenta leis extremamente restritivas em relação à prática (YAM, DRIES-DAFFNER E GARCÍA, 2006; CASAS, 2019; GALLI, 2020). Dados do Centro de Direitos Reprodutivos mostram que apenas Cuba, Guiana Francesa, Porto Rico, Uruguai e, mais recentemente, Argentina permitem a interrupção da gravidez sem grandes limitações. Os outros países criminalizam o aborto, parcial ou totalmente.

Segundo Yam, Dries-Daffner e García (2006), a população latino-americana costuma apresentar posicionamentos ambivalentes em relação à interrupção voluntária da gravidez: enquanto tende a aceitá-la em situações de violência sexual e risco de vida, costuma recusá-la diante de questões sociais e econômicas. Ou seja, a prática é tolerável em situações extremas, mas não é, normalmente, vista como uma questão relacionada aos direitos reprodutivos das mulheres.

O cenário apresentado é a base deste texto. Com dados fornecidos pelo Latin American Public Opinion Project (LAPOP), analisamos a taxa de aceitação ao aborto em sete países da América Latina: Honduras, Brasil, Chile, Bolívia, Peru, Argentina e Uruguai. Utilizamos as rodadas da pesquisa que foram realizadas entre 2012 e 2018/2019, para que uma comparação longitudinal fosse possível. A pergunta feita aos entrevistados foi a seguinte:

W14A. O(A) sr./sra acredita que se justifica a interrupção da gravidez, ou seja, um aborto, quando a saúde da mãe está em perigo?

A variável é binária (com duas possibilidades de resposta: sim ou não). O quadro 1, abaixo, resume a legislação de cada país estudado em relação ao aborto.

Quadro 1 – Contexto legal para o aborto para cada um dos países analisados

Fonte: Centro de Direitos Reprodutivos (2021).

Os gráficos 1 e 2 apresentam a opinião dos cidadãos dos sete países e contém apenas os dados das respostas “sim” – de quem concorda com a interrupção da gravidez quando a saúde da mulher está em perigo.

Gráficos 1 e 2 – Comparativo entre os países analisados para a porcentagem (%) de respondentes que aceitam a interrupção da gravidez entre 2012 e 2018/2019

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Fonte: LAPOP (2012, 2014, 2016, 2018/2019).

Vê-se que, em 2018/2019, os países estudados dispõem de mais de 60% de sua população a favor do aborto em situação de risco à saúde, com exceção de Honduras, território que tem a legislação mais rígida entre todas as localidades em análise – proibindo a prática de maneira estrita, até mesmo em casos de perigo à vida. O país tinha, em 2012, cerca de 20% da opinião pública aceitando a interrupção da gravidez. Com o passar dos anos, a porcentagem subiu, mas, ainda assim, fica abaixo da aceitação alcançada por seus vizinhos latino-americanos. 

Assim como Honduras, o Chile também apresentou uma trajetória de crescimento da tolerância ao aborto ao longo dos anos. Em 2018/2019, a aceitação no país ultrapassou 70%, ficando abaixo, apenas, do Uruguai, lugar que, entre os estudados, possui o maior índice de aprovação da prática. Na sequência, há Brasil e Argentina, se aproximando dos 70%, Peru e então Bolívia.

Como um país permissivo em relação ao aborto, o resultado encontrado para o Uruguai é bastante intuitivo. O mesmo vale para Honduras, que é o país mais restritivo e que tem a população que menos aceita o ato. Mesmo assim, em todos os territórios analisados, mais da metade dos cidadãos concordam que a gravidez seja interrompida se há perigos para a grávida. Contudo, isso não significa que há suporte aos direitos reprodutivos das mulheres. Como bem lembram Yam, Dries-Daffner e García (2006), esse cenário de tolerância não se aplica quando os riscos são psicológicos e o apoio não se estende à liberdade de escolha das mulheres sobre seus corpos.

Referências

Casas, X. They Are Girls, Not Mothers: The Violence of Forcing Motherhood on Young Girls in Latin America. Health and Human Rights Journal, v. 21, n. 2, p. 157-167, 2019.

Galli, B. Desafios e oportunidades para o acesso ao aborto legal e seguro na América Latina a partir dos cenários do Brasil, da Argentina e do Uruguai. Cadernos de Saúde Pública, v. 36, p. 1-5, 2020.

Yam, E. A., Dries-Daffner, I., & García, S. G. Abortion Opinion Research in Latin America and the Caribbean: A Review of the Literature. Studies in Family Planning, v. 37, n. 4, p. 225–240, 2006.