O crescimento de proposições legislativas que buscaram regular a questão no Brasil entre 2000 e 2018

Andressa Butture Kniess

Ainda no século XVIII, Bentham (2011) e Kant (2008) – provavelmente inspirados pelo movimento iluminista que ocorria na Europa Ocidental – já discutiam a importância de governos translúcidos através do conceito de publicidade. Mas foi somente a partir do século XX – e da ascensão de regimes democráticos – que os estudos sobre transparência pública se expandiram. E se, nesse período, a comunicação de massa (especialmente o jornalismo) exercia o papel de cão de guarda da democracia (SILVA, 2016), a popularização da internet, durante o século XXI, possibilitou a ampliação da transparência através do contato direto entre governantes e governados. E, não por acaso, as pesquisas da área se multiplicaram a partir dos anos 2000 (LYRIO, LUNKES, TALIANI, 2018).

Especialistas em transparência pública têm concordado que a simples disponibilização de dados não torna um governo ou uma instituição transparente. É necessário que as informações sejam claras aos cidadãos, que estejam disponíveis a todos que queiram acessá-las e que estejam aliadas a mecanismos de participação (GOMES, AMORIM, ALMADA, 2018; SILVA, 2016; FUNG, 2013) – requisitos que podem ser mais facilmente cumpridos com a utilização dos media digitais. Essas ferramentas reduzem os custos (materiais e não materiais) da coleta, da distribuição e do acesso às informações públicas (ROBERTS, 2006).

A partir de 1990, diversos países do mundo passaram a aprovar normas legislativas que regulam a transparência pública. Hoje, existem mais de 100 países com leis de acesso à informação promulgadas (MICHENER, 2015). Diante disso, nos últimos anos, estudiosos da área têm se dedicado a examinar a força e a aplicabilidade dessas leis (MICHENER, 2018, 2015; BANISAR, 2006; ACKERMAN, SANDOVAL-BALLESTEROS, 2006). Entretanto, há uma escassez de pesquisas que investiguem como essas normas são apresentadas nas casas legislativas, quem são seus autores e relatores e de que forma elas tramitam nos parlamentos.

Como mostra o Gráfico 1, entre 2000 e 2018, foram apresentadas na Câmara dos Deputados 498 proposições legislativas que buscam regular a transparência pública digital no Brasil. Isso mostra que, além das legislações que já entraram em vigor (L.A.I., Lei Complementar nº 101/2000, Lei Complementar n° 131/2009, etc.), outras matérias sobre o assunto tramitaram ou continuam tramitando no Congresso Nacional.

Gráfico 1 – Proposições legislativas que dispõem sobre transparência pública digital apresentadas na Câmara dos Deputados entre 2000 e 2018

Fonte: autora (2020).

A partir desses dados já é possível perceber que as proposições que buscam regular a transparência pública digital no Brasil aumentaram ao longo dos anos. Destaca-se que, em 2009, o Poder Executivo Federal enviou ao Congresso Nacional a PL 5228, que deu origem à L.A.I., aprovada em 2011.


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Este comentário é parte de uma pesquisa que está em andamento e que tem como objetivo verificar qual é o conteúdo dessas proposições legislativas, quais são as características políticas e socioeconômicas de seus autores e de que forma essas matérias tramitam no Congresso Nacional.

Estudar o conteúdo das proposições legislativas, além de colaborar com os estudos sobre transparência pública digital, deve contribuir também com as pesquisas sobre produção legislativa no Brasil. Destaca-se que são poucos os trabalhos da área que se dedicam a discutir políticas setoriais (BAPTISTA, 2010). Além disso, visto que as políticas de transparência constrangem os representantes a compartilharem com os cidadãos informações que antes estavam restritas a uma elite, o que tende a dificultar práticas corruptivas (GOMES, AMORIM, ALMADA, 2018; BERLINER, 2014), é pertinente verificar quem são os atores dessas proposições legislativas e quais são suas características políticas e socioeconômicas.

Referências bibliográficas

ACKERMAN, J. M., SANDOVAL-BALLESTEROS, I. E. The global explosion of freedom information laws. Administrative Law Review, v. 58, n. 1, p. 85-130, 2006.

BANISAR. D. Freedom of information around the world. Privacy International, 2006.

BAPTISTA, T. W. F. Análise da produção legislativa em saúde no Congresso Nacional brasileiro (1990-2006). Cad. Saúde Pública, v. 26, n. 1, p. 97-109, 2010.

BENTHAM, J. Da publicidade. Revista Brasileira de Ciência Política, v. 6, p. 277– 294, 2011.

BERLINER, D. The political origins of transparency. The Journal of Politics, v. 76, n. 2, p. 479-491, 2014.

FUNG, A. Infotopia: Unleashing the Democratic Power of Transparency. Politics & Society, v. 41, n. 2, p. 183-212, 2013.

GOMES, W., AMORIM, P. K. D. F., ALMADA, M. P. Novos desafios para a ideia de transparência pública. E-compós, v. 21, n. 2, 2018.

KANT, I. A paz perpétua. Covilhã: LusoSofiapress, 2008.

LYRIO, M. V. L., LUNKES, R. J., TALIANI, E. T. C. Thirty Years of Studies on Transparency, Accountability, and Corruption in the Public Sector: The State of the Art and Opportunities for Future Research. Public Integrity, p. 1-22, 2018.

MICHENER, G. Assessing freedom of information in Latin America a decade later: Illuminating a transparency causal mechanism. Latin American Politics and Society, v. 57, n. 3, p. 77-99, 2015.

ROBERTS, A. Blacked out: Government secrecy in the information age. New York: Cambridge University Press, 2006.

SILVA, S. P. Transparência digital em instituições democráticas. In: MENDONÇA, R. F.; PEREIRA, M. A.; FERNANDO, F. Democracia digital: publicidade, instituições e confronto político. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016, p. 27-54.