Quais seriam os principais veículos de desinformação na opinião dos comentadores de Facebook?
O termo “fake news” se popularizou e virou coringa nas discussões não só entre políticos profissionais, mas também entre seguidores e simpatizantes do assunto. Dourado e Gomes (2019) falam sobre o duplo sentido que a expressão adquiriu: para os liberais, fake news seria qualquer conteúdo fabricado ou falso em circulação na rede, mas para a nova direita, o termo tem a função de descredibilizar toda a mídia formal. Fake news, nesse sentido, seria um termo utilizado de forma conveniente para qualificar tudo aquilo que não agrada ao interlocutor (DOURADO E GOMES, 2019, p. 8). Em 2018, a Comissão Europeia também lançou um manual onde recusavam o termo “fake news” e optavam por “desinformação”, justamente por causa do seu uso indiscriminado.
Pensando nisso, foi investigado aqui quais seriam os principais veículos de fake news na opinião dos comentadores nas redes sociais online. Para responder a essa questão, parte-se da análise das postagens de Facebook de três grandes páginas de jornais – O Estado de São Paulo, O Globo e G1 –, seis candidatos à Presidência da República – Fernando Haddad (agrupado com Lula, quando este era o candidato oficial), Ciro Gomes, Cabo Daciolo, Geraldo Alckmin, Jair Bolsonaro e Marina Silva –, seus respectivos partidos – PT, PDT, Patriota, PSDB, PSL e REDE – e cinco movimentos sociais – Movimento Brasil Livre (MBL), Renova BR, Livres, Rede de Ação Política Pela Sustentabilidade (RAPS) e Acredito. O recorte temporal das postagens vai de julho a outubro de 2018, ou seja, o período de campanha e pré-campanha eleitoral de 2018.
O número total de comentários coletados foi de 14.089.071, sendo 12,1% de páginas de jornais, 3,4% de movimentos, 7,95% de partidos e 76,55% de candidatos. As páginas dos candidatos tiveram números próximos para os dois candidatos que foram ao segundo turno – Haddad e Bolsonaro. Dentre os partidos o PT se destaca com quase 1 milhão de comentários. O PSL ficou em segundo lugar com 62.324, ou 6,3% do total de comentários do adversário. Os movimentos, em sua maioria, tiveram baixo número de comentários, com exceção do MBL, que obteve 438.816, mais de 10x do que o segundo lugar, o movimento Renova BR. As páginas dos jornais O Estado de São Paulo e G1 obtiveram um número similar de comentários (≈ 650 mil), seguidos pelo O Globo, com pouco mais de 400 mil.
Para realizar a análise quanto ao assunto de que tratavam os comentários, foram selecionados todos os que continham o termo “fake”. Aplicado esse filtro, 25.415 comentários foram selecionados para a análise, sendo 15.776 (ou 72,07%) de páginas de jornais, 934 (ou 3,67%) de movimentos, 1.421 (ou 5,59%) de partidos e 7.283 (ou 28,66%) de candidatos. Não foram encontrados comentários com o termo “fake” nos posts da página da RAPS nesse período. Dentre as outras páginas, a com menos comentários selecionados foi a do partido Patriota. Nas páginas relativas a movimentos, o número de comentários chega a no máximo 25, com exceção da página do MBL, que teve 878. Além do fato de a página ser muito maior do que as de seus pares, o tema também foi bastante discutido por causa do evento ocorrido em julho de 2018, quando o Facebook derrubou páginas e contas que espalhavam fake news, incluindo a do MBL.
Com relação aos partidos, o PT foi o que recebeu mais comentários, tanto em números absolutos quanto dentre os destacados para a pesquisa. Alckmin foi o candidato com mais comentários contendo o termo “fake”, apesar de ser o 4º com mais comentários em geral. Logo em seguida estão, respectivamente, Lula/Haddad (2.390 comentários) e Bolsonaro (1.324 comentários). Porém, o que chama atenção é o número de comentários contendo o termo “fake” nas páginas dos jornais. Para o G1, por exemplo, os comentários destacados chegam a compor mais de 1% do total, uma cifra significativa quando vista sob comparação.
A partir daí, analisamos quais desses comentários eram acusações de fake news e quais eram seus alvos. A apuração foi realizada utilizando filtros e levando em consideração o contexto das postagens. Dessa vez, das 25.434 menções a fake news, 5.849 foram classificadas como neutras e 19.605 como acusações. Dentre os acusados, foram identificados 134 personagens ou entidades, sendo que 106 deles foram mencionadas menos de 10 vezes cada e 15 foram mencionados mais de 100 vezes. Os nomes mais evidentes estão demonstrados no gráfico abaixo.
Gráfico 1 – Principais acusados de espalhar fake news
O G1 foi a campeão de acusações, apesar de sua campanha contra fake news ter sido uma das maiores durante o período. Se considerarmos o Grupo Globo como um todo, esse número é ainda mais expressivo, saltando para 5.448 acusações, ou mais de um quarto das acusações totais.
A Folha de São Paulo, que não teve seus comentários coletados, teve acusações em quase todas as páginas analisadas, exceto: Marina Silva, Patriota, PSDB, REDE e RenovaBR. A Folha deixou de publicar seu conteúdo no Facebook no início de fevereiro de 2018, segundo eles, porque a plataforma deixou de privilegiar conteúdo relacionado ao jornalismo profissional e passou a divulgar o que era produzido em páginas pessoais de grande alcance e isso reforçaria “a tendência do usuário a consumir cada vez mais conteúdo com o qual tem afinidade, favorecendo a criação de bolhas de opiniões e convicções, e a propagação das ‘fake news’”.
Dentre os políticos, os mais acusados foram Lula e Haddad, que, se somados com o partido ao qual pertencem, chegam muito próximos ao número de acusações recebidas pelo G1. Surpreende que Geraldo Alckmin, candidato do PSDB, tenha despontado como um dos mais acusados pelos comentaristas.
Conclui-se, então, que se destacou a falta de confiança que os comentadores possuem na classe política, mas principalmente na imprensa. O MBL, movimento que espalhou boatos e foi até banido das redes sociais por causa disso, ficou em 9º lugar dentre os com mais acusações. A análise, portanto, corrobora a tese de que há pessoas que priorizam acusar seus oponentes de espalharem fake news com o objetivo de atacar informações que consideram inconvenientes ou que se oponham as suas convicções políticas, ao invés de atacarem os verdadeiros disseminadores de desinformação.
Referências
DOURADO, T.; GOMES, W. O que são, afinal, fake news, enquanto fenômeno de comunicação política? Anais do Compolítica, 2019. Disponível em: <http://ctpol.unb.br/compolitica2019/GT6/gt6_Dourado_Gomes.pdf>
EUROPEAN COMISSION. A multi-dimensional approach to disinformation Report of the independent High level Group on fake news and online disinformation. União Europeia, 2018.