Este post é parte da tese da pesquisadora Júlia Frank De Moura, abordando a cultura política e conservadorismo no Brasil, focando na guinada à direita. Explora técnicas de comunicação da direita em redes sociais, com corpus de 145.850 tweets de 41 contas. Utiliza análise automatizada e conteúdo qualitativo para preencher lacunas no entendimento dessa dinâmica.

É necessário estudar a cultura política de um país para compreender questões como o próprio conservadorismo, principalmente em democracias novas como o caso brasileiro, em que a confiança no ideal democrático não é 100% consolidada. Para autores como Rodrigo Nunes, a política mundial tendeu a extremos na última década, e essa nova guinada à direita que estamos vivenciando no Brasil não é algo visto apenas aqui. A tese que está sendo construída trabalha com a premissa de que a direita brasileira é plural e uma “confluência de grupos diversos” (MIGUEL, 2018, posição 176); no entanto,  apesar de multifacetada e plural, segue determinados padrões e técnicas comunicacionais –  técnicas estas que atraem milhares de seguidores, e sua identificação e sua catalogação podem auxiliar na compreensão do pensamento político dos apoiadores e internautas que acompanham as redes sociais desses movimentos/partidos/grupos e na identificação dos conteúdos utilizados para captação desses seguidores, assim como na constatação dos assuntos mais abordados nas redes sociais de direita no Brasil e na forma como ideologias são transmitidas por meio de tweets.

O recorte temporal da pesquisa é de dois anos, contemplando o ano pré-eleitoral de 2021 e o ano eleitoral de 2022. Quanto à metodologia para análise do corpus coletado, num primeiro momento, conta-se com o auxílio do software Iramuteq, interface do pacote estatístico “R”, baseada na proposta metodológica de Cervi (2018, 2019), sendo então uma análise de conteúdo automatizada. A ferramenta permite a análise de materiais em grande quantidade, como é o caso da pesquisa, permitindo também menor interferência do pesquisador durante o processo. Nesse momento, o software analisará a totalidade do corpus e ajudará na identificação das diferentes categorias (de termos) a serem formadas; assim, identificar-se-ão os diferentes assuntos e temas presentes nas postagens das páginas. Como explica Cervi (2018, p. 108), “mede-se a presença total (número de citações do termo/palavra), a presença relativa por subcorpus do texto (citações do termo/palavra no cluster temático) e as relações com os outros termos/palavras (presença em diferentes clusters)”. Trata-se de uma análise em duas etapas, com o método Reinert (1990): primeiro, são identificados os clusters para o conjunto total de textos (por meio da Classificação Hierárquica Descendente – CHD), e, depois, os termos que mais aparecem em cada cluster temático são agrupados em conjuntos que tenham sentido analítico.  E, no segundo momento, uma análise de conteúdo clássica será a forma de analisar mais qualitativamente e profundamente as publicações que tratarem de cada tema encontrado nos clusters da primeira fase, e, também, observar e catalogar as técnicas.

Outros trabalhos semelhantes já foram publicados, analisando, por exemplo, os aparelhos de ação política e ideológica no Brasil e as atualizações das estratégias de dominação burguesa (CASIMIRO, 2016), assim como trabalhos analisando dados de redes sociais como corpus, como o artigo de SINDERSKI; CERVI (2019), que trata da conversação política na fanpage do MBL, sobre a redução da maioridade penal, e utiliza metodologia semelhante à proposta. Porém, ainda há uma lacuna no que se diz respeito às técnicas comunicacionais das direitas brasileiras no meio online e sua comparação com a direita anterior ao advento da web 2.0. Tal lacuna pretende ser preenchida pela tese. 

O corpus da tese conta com aproximadamente 145.850 tweets, de 41 contas de direita no Twitter, sendo destas: 14 contas de militantes de direita, 14 contas de políticos, 7 páginas impessoais de direita e 6 influencers de direita. Uma primeira aplicação da CHD já aponta algumas diferenças entre os tweets realizados por influencers e os tweets realizados por militantes mais ferrenhos. Abaixo (Figura 1), temos os clusters formados pela CHD dos tweets realizados por Danilo Gentili (comediante e celebridade declaradamente de direita) em 2021 e 2022, formando 3 diferentes segmentos de termos (o que mostra que o comediante utiliza o Twitter para abordar 3 principais assuntos aparentemente distintos, durante o período).

Para compararmos com a CHD formada pelos tweets da celebridade de direita, temos abaixo uma CHD dos tweets da conta @Bolsoneas, um ativista de direita mais ferrenho, que se declara “oposição democrática ao governo petista” no Twitter. A principal diferença entre as duas CHDs é que a classificação dos tweets de Bolsoneas forma segmentos interligados, que se misturam – o que demonstra que o ativista utiliza o Twitter para uma finalidade principal.


Referências

CERVI, Emerson Urizzi. Análise de conteúdo automatizada para conversações em redes sociais: uma proposta metodológica. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 42, 2018, Caxambu. Anais…Caxambu, 2018, s.p. 

CERVI, Emerson Urizzi. Análise de Conteúdo aplicada a Redes Sociais Online. In: CERVI, Emerson Urizzi. Manual de Métodos Quantitativos para iniciantes em Ciência Política. v. 2. Curitiba: CPOP, 2019.

DE FREIXO, Adriano; PINHEIRO-MACHADO, Rosana. Brasil em transe: bolsonarismo, nova direita e desdemocratização. Oficina Raquel: Rio de Janeiro, 2019. 

MIGUEL, Luis Felipe. A reemergência da direita brasileira. In: GALLEGO, Esther Solano (org.). O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018, Kindle, posição 149 a 355.

NUNES, Rodrigo. Do transe à vertigem. Ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em

transição. Ubu Editora: São Paulo, 2022.

PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo: Editora 34, 2013.

REINERT, M. Alceste, une méthodologie d’analyse des données textuelles et une application: Aurelia de Gerard de Nerval. Bulletin de Methodologie Sociologique, v. 26, p. 24-54, 1990.