O pesquisador Bruno Z. Kotvisky procura analisar as campanhas dos presidenciáveis para o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) de duas eleições (2014 e 2022) de modo a poder comparar o período anterior à presença disruptora de Bolsonaro na corrida eleitoral ao período atual. O objetivo é tentar perceber se existe diferença entre as campanhas de candidatos mais tradicionais e as campanhas de Jair Bolsonaro, suposto outsider de tendências autoritárias e antidemocráticas, ou se seu discurso mais radicalizado fica restrito a outros meios de publicidade.

A partir da redemocratização, o horário gratuito de propaganda eleitoral (HGPE) tem ganhado destaque no interesse acadêmico por seu papel de relevância no processo democrático brasileiro. É ponto de referência na identificação das características fundamentais das campanhas políticas a nível local, regional ou nacional, o que denota o caráter fundamental que os veículos de mídia adquiriram no processo democrático do país (CERVI, 2011, p. 109). 

Evidências apontam que existe um efeito de “aprendizagem” no eleitor pela exposição às campanhas, superior até às informações obtidas nos noticiários tradicionais (BORBA & DUTT-ROSS, 2021, p. 852). Tal aspecto didático da propagando eleitoral não é uniforme, variando entre diferentes perfis, com relevância maior justamente entre aqueles menos informados politicamente, o que denotaria uma diminuição entre a lacuna informacional entre diferentes camadas da sociedade (FREEDMAN, FRANZ & GOLDSTEIN, 2004, apud BORBA & DUTT-ROSS, 2021, p. 855). Para Schmitt et al. (1999, p. 287) as pesquisas de opinião pública tendem a mostrar dois tipos de função do HGPE para o eleitorado: é uma das duas ou três fontes de informação política mais importantes para a população, além de ser fundamental para a decisão do voto. 

Com início na contestação do resultado do 2º turno das eleições pelo candidato Aécio Neves em 2014, os ataques ao processo eleitoral só ganharam força com Bolsonaro. Com claros ataques às instituições democráticas e desprezo pela oposição, o candidato da extrema direita mobiliza seus apoiadores através da lógica do confronto constante e da perene desconfiança da ordem estabelecida, mesmo à frente do governo federal (BARROS & ELEN, 2022). Suspeitamos que tais posturas, corrosivas à cultura democrática, possam ser observadas mesmo nas campanhas eleitorais de Bolsonaro para o HGPE, diferentemente das campanhas em eleições anteriores, quando o embate político era travado entre as forças políticas tradicionais. 

Para analisar os conteúdos das campanhas publicitárias dos presidenciáveis para o HGPE de 2014 e 2022, usamos o banco de dados do grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP) da UFPR. Comparamos as seguintes  categorias de segmentos: Objeto/Tema (dividida entre Políticas Públicas, Imagem e Metacampanha), Apelo e Retórica. Os principais resultados podem ser vistos nos gráficos a seguir:

Quanto à categoria Objeto/Tema, a frequência dos tipos de segmento de Bolsonaro não é significativamente diferente tanto dos candidatos de 2014, mas principalmente de seu concorrente em 2022.

Na classificação por tipo de Apelo, podemos perceber a mesma semelhança na distribuição dos segmentos entre Bolsonaro e os presidenciáveis de 2014, como também na de Lula em 2022.

Por fim, na classificação dos segmentos pela Retórica, mais uma vez a distribuição dos tipos de segmentos da campanha de Bolsonaro não mostra diferença significativa com as outras campanhas, seja em 2014 ou em 2022. 

A conclusão a que podemos chegar após a análise dos dados é que, no que tange o HGPE, Jair Bolsonaro atuou de maneira regular e em conformidade com as regras do jogo eleitoral, com a mesma lógica de campanha de seus concorrentes. Só nos resta especular que Jair Bolsonaro continua mobilizando suas bases por outros meios, como fez com sucesso em 2018, meios esses menos fiscalizados e de maior controle de suas redes de militantes. Assim, evita sanções e regulações por parte das autoridades. O HGPE ainda é um recurso político valioso para as campanhas e utilizá-lo é necessário, mas existem outros canais que permitem veiculações mais eficazes para manter a alienação e a polarização, fundamentais à pauta bolsonarista.


Bibliografia

BAQUERO, M.; GONZALEZ, R. S.. Eleições, estabilidade democrática e socialização política no Brasil: análise longitudinal da persistência de valores nas eleições presidenciais de 2002 a 2010. Opinião Pública, v. 17, n. 2, p. 369–399, nov. 2011.

BARROS, M. & ELEN, V. Todo modelo fascista é o mesmo: despreza a democracia e as instituições democráticas, afirmam especialistas. Saiba Mais, Rio Grande do Norte, 21 de setembro de 2022. Disponível em: https://saibamais.jor.br/2022/09/todo-modelo-fascista-e-o-mesmo-despreza-a-democracia-e-as-instituicoes-democraticas-afirmam-especialistas/. Acesso em: 15 de Janeiro de 2023.

BORBA, F. & DUTT-ROSS, S. Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral e a formação da opinião pública na eleição presidencial de 2018. Opinião Pública [online]. 2021, v. 27, n. 3 [Acessado 26 Outubro 2022], pp. 851-877. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1807-01912021273851>.

CERVI, E. U. O uso do HGPE como recurso partidário em eleições proporcionais no Brasil: um instrumento de análise de conteúdo. Opinião Pública [online]. 2011, v. 17, n. 1 [Acessado 26 Outubro 2022], pp. 106-136. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-62762011000100004>.