As principais perspectivas abordadas pelos usuários de Facebook no ano da aprovação da PEC 171/1993 na Câmara dos Deputados

Rafaela Mazurechen Sinderski

Conteúdos publicados anteriormente neste site apresentam algumas análises de conversações políticas cotidianas (MANSBRIDGE, 1999; CONOVER E SEARING, 2005; KIM E KIM, 2008; MARQUES E MAIA, 2010; MARQUES E MARTINO, 2016) sobre redução da maioridade penal, desenroladas em comentários de páginas de Facebook como o Quebrando o Tabufanpage considerada progressista, que se coloca contra a medida – e o Senado Federal – espaço supostamente técnico. Ambas as pesquisas consideraram um recorte temporal que inicia em 2015, período da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/1993 na Câmara dos Deputados, e finda em 2018, época de eleição presidencial no Brasil. Ao considerar os quatro anos estudados, o ponto de vista que predominou em ambos os espaços está ligado ao punitivismo e à redução como uma medida de segurança pública, apesar do posicionamento sustentado pelas páginas, que diverge de tal ótica.

Diante disso, esta postagem foca nas perspectivas temáticas presentes nas conversações políticas cotidianas que tomaram forma somente em 2015. É que o ano foi importante para o histórico brasileiro de discussão sobre redução da maioridade penal devido à PEC aprovada. Espera-se que, no período, os internautas tenham discutido mais sobre a proposta, seus atributos e suas consequências e menos sobre temas políticos não relacionados à questão.

Além de considerar os comentários feitos em postagens sobre a redução nas páginas do Quebrando o Tabu (QT) e do Senado Federal (SF), este texto inclui os conteúdos retirados da fanpage do Movimento Brasil Livre (MBL), que se declara liberal e conservador, a favor da alteração do limite etário de imputabilidade penal. No total, foram analisados 55.217 comentários – 3.343 do MBL, 35.645 do QT e 16.229 do SF –, retirados de 83 publicações sobre o tema estudado – 47 do QT, 21 do MBL e 15 do SF. O método utilizado foi o de análise de conteúdo automatizada (CERVI, 2018; 2019), com auxílio do software Iramuteq. As categorias da variável “tema” são as seguintes: “educacional”, que tratou da redução considerando sua relação com a educação; “moral conservadora”, que falou sobre o cenário político brasileiro e sobre episódios a ele relacionados; “redução punitivista”, que abordou a possibilidade de punições mais severas diante de atos infracionais; “social”, que discutiu o tema sob a lente da desigualdade social e considerou o papel da família nessa conjuntura; e “técnico-carcerária”, que articulou informações sobre o sistema prisional e discutiu pareceres e posicionamentos ligados ao doutor Dráuzio Varella, fonte recorrente do QT sobre o assunto ligados à redução[1].

O gráfico 1, acima, mostra que em quase todas as páginas os comentadores tenderam a articular mais de uma perspectiva temática na hora de falar sobre a redução da maioridade penal. Apenas no MBL a quantidade de textos sem categoria – que correspondem aos conteúdos que fugiram das cinco classificações possíveis – ultrapassou a classe “mais de uma”. Ainda assim, a página não apresenta a maior proporção de comentários não engajados com as conversações sobre redução da maioridade penal e com os temas tangentes, que foram identificados pela análise automatizada; esse posto pertence ao Quebrando o Tabu, que tem 38,2% dos seus comentários não categorizados, enquanto o MBL possui 36,2% e o Senado 22,8%.

Gráfico 1 – Comentários classificados por tema e por página

Fonte: autora (2020).

O Senado Federal se destaca na categoria “redução punitivista”. 4151 (25,5%) dos seus comentários em 2015 usaram apenas essa perspectiva na hora de expor posicionamentos sobre a medida de redução. No Quebrando o Tabu, o punitivismo também se sobressaiu, mas dominou apenas 7% das classificações exclusivas da página. Ela apresentou um equilíbrio maior entre as demais categorias temáticas – social (3%), educacional (1,9%), técnico-carcerária (3,7) e moral conservadora (3,5%) – e, como já dito, obteve um alto número de textos classificados em mais de um grupo (42,5%) ou em nenhum deles (38,2%). No MBL, quando a conversação apresentou uma única temática, houve predominância da ótica “moral conservadora” (16,2%).

Como é considerável o número de textos que articularam mais de uma perspectiva temática, a tabela 1 mostra, por meio da correlação de Pearson, quais são os grupos que costumam aparecer juntos nas conversações de 2015.

Tabela 1 – Correlação entre categorias temáticas

Fonte: autora (2020).

Todas as correlações do período se mostraram significativas (ρ ≥ 0,01). A maior delas se deu entre as perspectivas “social” e “técnico-carcerária” (0,507), seguida de “redução punitivista” e “educacional” (0,373). As menores corresponderam às combinações entre “moral conservadora” e “técnico-carcerária” (0,014) e “moral conservadora” e “redução punitivista” (0,037).


Leia também:

Conversações sobre maioridade penal na fanpage do Senado Federal

A redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados


Vê-se que, apesar da não-classificação de cerca de um terço dos comentários de cada fanpage, grande parte dos comentadores participaram da conversação sobre a redução em 2015, tendendo a falar sobre o assunto a partir de uma ótica punitivista, ou, então, relacionando-a a perspectivas que consideram o lado social e educacional do tema e o debate sobre o sistema carcerário. Só o MBL se diferenciou um pouco desse cenário, pois, comparado às demais páginas, apresentou mais comentários exclusivamente ligados ao contexto político da época com a categoria “moral conservadora”.


[1] Este texto apresenta parte dos resultados encontrados na dissertação da autora. Então, é importante esclarecer que as categorias temáticas foram formadas a partir da análise automatizada de um corpus mais amplo, que continha, também, comentários feitos em 2016, 2017 e 2018.

Referências

CERVI, E. U. Análise de dados categóricos em Ciência Política. Curitiba: CPOP, 2014.

CERVI, E. U. Análise de conteúdo automatizada para conversações em redes sociais: uma proposta metodológica. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 42, 2018, Caxambu. Anais do 42º Encontro Anual da Anpocs. Caxambu: Anpocs, 2018.

CERVI, E. U. Análise de Conteúdo aplicada a Redes Sociais Online. In: CERVI, E. U. Manual de Métodos Quantitativos para iniciantes em Ciência Política. v. 2. Curitiba: CPOP, 2019. p. 101-128.

CONOVER, P.; SEARING, D. Studying ‘Everyday Political Talk’ in the Deliberative System. Acta Politica, v. 40, p. 269-283, 2005.

KIM, J.; KIM, E. J. Theorizing dialogic deliberation: everyday political talk as communicative action and dialogue. Communication Theory, n. 18, p. 51-70, 2008.

MANSBRIDGE, J. Everyday talk in the deliberative system. In: MACEDO, S. Deliberative politics: essays on democracy and disagreement. New York: Oxford University Press, p. 211-239, 1999.

MARQUES, A. C. S.; MAIA, R. Everyday conversation in the deliberative process: an analysis of communicative exchanges in discussion groups and their contributions to civic and political socialization. Journal of Communication, v. 60, n. 4, p. 611-635, 2010.

MARQUES, A. C. S.; MARTINO, L. M. S. A politização da conversação cotidiana e suas relações com processos deliberativos. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA, 10, 2016, Belo Horizonte. Anais do 10º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política. Belo Horizonte: ABCP, 2016.