A maioria das fontes das edições de 8 de março do JN é homem. Entre as mulheres, somente 26,5% são negras
Este texto discute o perfil das mulheres que são fontes do Jornal Nacional (JN) em três edições do Dia Internacional das Mulheres dos anos de 2017, 2018 e 2019. Os dados aqui apresentados são parte da análise da tese de doutorado da autora, a ser concluída em 2020, sendo um recorte a partir de faixa etária e traços fenotípicos, elementos para compreender quem são as mulheres que falam ao JN. Somando as três edições do JN de 8 de março (2017, 2018 e 2019), chega-se ao tempo total de 1 hora 49 minutos e 28 segundos de transmissão de notícias, sendo que na maior parte do tempo (78%) ouvimos as vozes dos jornalistas, o restante (22%) são falas de fontes, sendo 14% masculinas e 8% femininas. O tempo total de fala das 29 mulheres ouvidas foi de 9 minutos e 10 segundos.
A tipificação da faixa etária, cujos dados foram coletados utilizando os marcadores biológicos a partir da interpretação da análise visual das fontes (imagem da fonte: cabelo e rosto) e oral (o que é dito sobre a fonte e pela fonte), foi dividida entre três categorias: criança (e adolescente), adulta (jovem e madura) e idosa (terceira idade). Das 29 mulheres entrevistadas, 79,8% eram adultas e falaram por 7 minutos e 19 segundos e 20,2% eram idosas que foram ouvidas por 1 minuto e 51 segundos, nenhuma criança foi entrevistada, como mostra o gráfico 1.
Gráfico 1 – Faixa etária das fontes
Os traços fenotípicos coletados – por meio da observação visual (cabelo, tom da pele, boca e nariz) e do que é informado no áudio e no vídeo, como crédito da fonte (impressos na tela ou pela locução) – serviram de complemento para indicar se a fonte pertence a um grupo que sofre preconceito por conta das características físicas. A escolha desta variável necessita de discussão mais aprofundada, para reduzir interpretações equivocadas uma vez que o termo raça faz “[…] referência a distintas categorias de seres humanos” e traz consigo “[…] contingência, conflito, poder e decisão” (ALMEIDA, 2019, p. 24). Logo, o termo “raça” não foi usado para nominar a variável porque racismo é uma situação real e violenta (KILOMBA, 2019, p. 71) e que não propõe controvérsias. Identificar quem são as mulheres não-brancas que falam nos telejornais é bastante relevante para revelar se há diversidade de pessoas que falam nas reportagens.
Quijano (2000, p. 107) afirma que não existe registro histórico da ideia de raça, em seu sentido moderno, anterior à América explorada pelos europeus. A formação de relações sociais fundadas na ideia de raça produziu identidades sociais novas para índios, negros e mestiços.
Com o tempo, os colonizadores codificaram como cor os traços fenotípicos dos colonizados e a assumiram com a característica emblemática da categoria racial. Esta codificação foi inicialmente estabelecida, provavelmente, na área britânico-americana. Os negros eram […] a raça colonizada mais importante, já que os índios não formavam parte dessa sociedade colonial. Em consequência, os dominantes chamaram a si mesmos de brancos.
As pessoas de pele escura são desprivilegiadas primeiramente pelo tom de pele: uma mulher negra sofre preconceito a priori por ser negra, para além de poder sofrer preconceito por outras razões que podem ser comuns, também, às brancas, como classe e gênero. A questão do tom de pele é responsável por fazer com que as pessoas vivam discriminações específicas. O racismo “(…) é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento” e que se manifesta “(…) por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam” (ALMEIDA, 2019, p. 32).
Nas três edições do JN, a maioria das fontes entrevistadas são mulheres brancas (73,1%) enquanto 26,5% são negras. Apenas uma latina foi fonte de reportagem (0,04%). As 21 mulheres brancas falaram por 6 minutos e 42 segundos, as negras falaram por 2 minutos e 26 segundos e a latina por apenas 2 segundos. Os dados são ilustrados no gráfico 2.
Gráfico 2 – Traços fenotípicos das fontes
Este recorte das edições de 8 de março foca no dia em que mulheres são mais visibilizadas por tratar-se de uma data oficialmente constituída para discutir questões ligadas ao feminismo e às lutas de gênero. Mesmo nessa data, as mulheres são minoria entre as fontes do principal telejornal do país, embora sejam mais da metade (51,8%) da população brasileira segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para além disso, entre as mulheres que têm suas vozes visibilizadas, a maioria representa apenas uma fatia da população, a de mulheres brancas, que são minoria, uma vez que 46,5% dos brasileiros se autodeclararam pardos, 43,1% brancos e 9,3% pretos (IBGE, 2019).
Se a população brasileira é formada em sua maioria por pessoas não-brancas, e dentre estas pessoas, a maioria são mulheres, o JN deveria visibilizar fontes que representem mulheres não-brancas. Ao não fazer isso, pode estar repetindo o comportamento de uma sociedade racista e machista? São questões que podem e devem ser discutidas por jornalistas e produtores de conteúdo em busca de trabalhar em prol da redução das desigualdades.
Referências:
ALMEIDA Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro, Pólen, 2019.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. População. [Em linha]. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao.html> [Consultado em: 04/09/2020].
KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação. Episódios de Racismo Cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autônoma de Buenos Aires, Argentina, 2005.