Para Bennett e Segerberg (2012), redes de ação conectiva são tipicamente constituídas de processos mais individualizados e tecnologicamente organizados que resultam em ações que não exigem enquadramento de identidade coletiva ou altos níveis de recursos organizacionais. 

Quando redes interpessoais são ativadas por plataformas tecnológicas em muitos e variados projetos, a ação se assemelha à ação coletiva (Olson, 1965), mas sem o mesmo papel desempenhado pelas organizações formais ou a necessidade de enquadramentos exclusivos. 

No lugar do conteúdo distribuído e relacionamentos intermediados por organizações hierárquicas, as redes de ação conectiva envolvem cooperação, coprodução e co-distribuição, revelando uma lógica econômica e psicológica diferente: produção por pares e compartilhamento com base em uma expressão personalizada. 

Nessa lógica conectiva, tomar ações públicas ou contribuir para um bem se torna um ato de expressão pessoal, reconhecimento e auto validação, que se dá pelo compartilhamento de ideias e ações. É nesse momento que o público simulado (Silva, 2015) consegue angariar cada  vez mais atores e se transforma em um público genuíno. Algo possibilitado através das novas tecnologias de informação e comunicação que oferecem possibilidades de criação, apropriação e compartilhamento de temas e frames pessoais em um processo interativo de difusão viral de conteúdos.

O termo ativismo de hashtag apareceu pela primeira vez no jornal inglês The Guardian em 2011 durante um dos eventos mais impactantes da política digital, o movimento Occupy Wall Street (Goswami, 2018). É uma forma que os militantes encontraram para organizar suas discussões e aumentar o engajamento de suas pautas em ambientes digitais. 

O ativismo de hashtags reformula a ideia das ações individuais versus coletivas, a temporalidade e espacialidade dos movimentos e as conexões entre online e offline, criando uma base altamente conectada para a que a lógica da ação conectiva apontada por Bennet e Sergenberg (2012) seja percebida e analisada mais empiricamente.

Neste post vamos mostrar como a rede de perfis bolsonarista conseguiram elevar suas pautas até o trending topics do Twitter, utilizando a estratégia de astroturfing através de públicos simulados, promovendo ativismo de hashtags.

Para isso, entendemos que os públicos simulados são compostos por perfis com alto número de postagens, seguidores e construção profissional de conteúdo (Kovic et al, 2018). Para Soares e Recurero (2021) hashtags podem ser entendidas como lutas discursivas pelo significado de objetos políticos ou sociais, que permitem um alto engajamento e alta visibilidade na rede. 

Para compor os quadros abaixo foi necessário um acompanhamento sistemático do Trending Topics do Twitter, desde o primeiro dia de campanha, 16 de agosto de 2022, até o fim do segundo turno, no dia 30 de outubro de 2022. Ao encontrar uma hashtag de cunho bolsonarista, o pesquisador aguardou a hashtag sair do Trending para fazer a coleta dos tuítes. Após a coleta limitou-se a qualificar apenas os tuítes que tivessem mais de mil compartilhamentos. A tabela 1 mostra quais foram as hashtags analisadas no mês de setembro:

Tabela 01
Hashtags bolsonaristas do mês de setembro 2022

HashtagEntrada Saída do Trending
7 de Setembro vai ser gigante06/09 – 15h06/09 – 21h
7 de Setembro07/09 – 7h07/09 – 21h
o L é de Ladrão12/09 – 14h12/09 – 21h
Lula nunca mais14/09 – 15h14/09 – 21h
Bolsonaro no primeiro turno 16/09 (1)16/09 – 07h16/09 – 11h
Bolsonaro no primeiro turno 16/09 (2) 16/09 – 14h16/09 – 21h
Bolsonaro na Onu20/09 – 12h20/09 – 18h
Bolsonaro no primeiro turno 2221/09 – 05h21/09 – 12h
Fonte: o autor (2022)

É importante evidenciar que das sete hashtags analisadas há cinco delas que chegam ao trending aproximadamente no mesmo horário e coincidentemente (ou orquestradamente) deixam o trending às 21h. 

Contudo, o mais intrigante é a atuação do perfil @taoquei, que é um perfil verificado com muitos seguidores e que possibilita a alavancagem das hashtags no ranking. Na #BolsonaroNoPrimeiroTurno do dia 16/09 o perfil consegue devolver a hashtag para o trending com um único tuíte publicado às 14h05, mesmo depois dela ter perdido força às 11h.

Os gráficos abaixo mostram a atuação dos perfis bolsonaristas nas hashtags analisadas e apresentadas na tabela. As métricas são a quantidade de retuítes que cada tuíte dentro da hashtag recebeu. Um mesmo perfil (como o @taoquei) pode ter publicado várias vezes usando a mesma hashtag e esse tuíte ter passado de mil compartilhamentos.

Vale destacar que a atuação de um único perfil profissional conseguiu mobilizar um ativismo de hashtags e agendar as pautas e aumentar a visibilidade da agenda bolsonarista por todo mês de setembro. Isso demonstra que a rede bolsonarista tem se apropriado das nuances da lógica conectiva para acelerar o ativismo digital dentro da plataforma, sem correr tantos riscos de ser bloqueado pelo algoritmo e aproveitando as affordances que o Twitter oferece.

Referências

BENNETT, W. L.; SEGERBERG, A. The logic of connective action. Information, Communication & Society, v. 15, n. 5, p. 739-768, 2012

Goswami, M. Mídias sociais e ativismo de hashtag: liberdade, dignidade e mudança no jornalismo. Publicação Kanishka: 2018.

KOVIC, Marko. RAUCHFLEISCH, Adrian; SELE, Marc. Digital astroturfing in politics: Definition, typology, and countermeasures. Studies in Communication Sciences 18.1 (2018), pp. 69–85.

OLSON, Mancur. A lógica da ação coletiva. São Paulo: Edusp, 1965.

SILVA, Daniel Reis. Astroturfing: lógicas e dinâmicas de manifestações de públicos simulados. Belo Horizonte: FAFICH/Selo PPGCOM/UFMG, 2015.

Soares, F., & Recuero, R. Guerras de hashtags: desinformação política e lutas discursivas em conversas do Twitter durante a campanha presidencial brasileira de 2018. Mídia Social + Sociedade: 2021.